Dedicação


A lição de unir diferenças

Por três vezes, a professora Fernanda Cavalieri encontrou os caminhos da inclusão. Como educadora, mãe e presidente de associação, ela busca maneiras de unir todos pela igualdade

Rômulo Costa / romulocosta@opovo.com.br

A ideia de que a escola é um lugar para reunir as diferenças e não separá-las sempre esteve na vida de Fernanda Cavalieri, 35 anos. O assunto começou a se tornar parte do cotidiano da pedagoga ainda na faculdade, quando ela resolveu pesquisar sobre a educação inclusiva. Tempos depois, estava orientando alunos com deficiência em uma escola pública do Rio de Janeiro, onde morava. Fernanda hoje reside em Fortaleza e é professora da Sala de Recursos Multifuncionais em uma escola municipal do bairro Papicu.

Mas não é só no ambiente escolar que o tema da inclusão a encontra. Depois de nove anos trabalhando com crianças com deficiência e transtornos globais de desenvolvimento, ela se tornou mãe de gêmeos. Os dois diagnosticados com autismo. Foi quando Fernanda viu os conhecimentos adquiridos na rotina como professora se replicarem em casa. “Minha experiência como educadora facilitou demais. Graças a isso, eu percebi as características do autismo nos meus filhos”, demarca.

Atenta, ela percebeu que Daniel e Gustavo, já a partir de um ano de idade, tinham dificuldades de interagir com outras crianças e não atendiam a comandos físicos. “Eu falava ‘vem aqui, me dá um abraço’ e eles não respondiam. E eu tinha certeza de que não era um problema auditivo. Por isso, desconfiei”, relembra.

Ela procurou ajuda médica. O tratamento, porém, começou antes mesmo do diagnóstico, com estimulação precoce e terapia ocupacional. Depois, veio a confirmação. “Se eu não tivesse a experiência como educadora, talvez o diagnóstico fosse mais demorado”, arrisca.

Luta por inclusão


Os caminhos de Fernanda se cruzaram com a inclusão por três vezes. A primeira foi quando ela decidiu ser educadora e trabalhar com crianças com deficiência. A segunda, quando se viu mãe de filhos autistas. A terceira veio como consequência. Depois de ver que muitas mães eram obrigadas a ver os direitos dos filhos negados, surgiu a vontade de montar uma associação para reunir força e cobrar providências. Hoje, Fernanda atua como presidente da Associação Fortaleza Azul (FAZ), que presta apoio a 180 famílias na busca por inclusão dos filhos.

“Nós tínhamos um grupo no WhatsApp e sempre aparecia alguém relatando demandas de Justiça. Sempre alguém tinha que ir para a Defensoria Pública cobrar pelos direitos. Então, a gente teve a ideia de montar a associação para ganhar voz”. Começou a luta. Em 2014, quando a associação foi fundada, eram apenas oito famílias. Hoje, cresceram.

O papel da FAZ é maior do que cobrar direitos. A associação também tem o desejo de ampliar a informação sobre o transtorno e apoiar as famílias. “Existem mães que ainda não conhecem muito sobre o autismo. Uma delas chegou para mim uma vez para saber se o filho podia morrer de autismo. É na conversa que a gente passa essas informações”.

Com dois anos de atuação, ainda é comum ouvir das famílias relatos de escolas que insistem em não incluir. Com a ajuda da FAZ, as mães entendem que é direito dos filhos que eles sejam matriculados em salas de aula regular e possam ter acesso ao mesmo ensino destinado aos demais, com atenção especializada e readequação da rotina.

Mas o acompanhamento não termina na matrícula. A inclusão é algo maior. “Incluir é ter um olhar individualizado para os alunos. A escola precisa ver o nível de desenvolvimento da criança, respeitar seu ritmo”, demarca Fernanda.

A lição ela já aprendeu como educadora e confirmou com a chegada dos filhos. “Muita coisa sobre o autismo eu aprendi vivendo e conhecendo outras crianças. O que é preciso entender é que cada criança tem suas características. Nenhuma é igual”, analisa.

Vencendo preconceitos

A vida de Fernanda como mãe e educadora aponta que o preconceito com pessoas autistas ainda existe. Mas tem diminuído. Um dos motivos é a busca por informação, ela aposta. Antes, pouco se sabia sobre o transtorno, o que tem mudado ultimamente. “Esse processo é parecido com o que ocorreu com a Síndrome de Down, por exemplo. As pessoas desconheciam e agora já passam a compreender”, compara.

O saber sobre o transtorno é didático. Falar sobre o autismo, compartilhar experiências com quem tem ou não familiares nesse perfil, pode ser uma estratégia de inclusão. Afinal, as características do transtorno só podem ser percebidas por quem minimamente o conhece.

Aos poucos, Fernanda vai tentando – junto com outras mães e educadoras como ela – ampliar as informações sobre o transtorno. A luta é para que, um dia, a inclusão esteja presente no cotidiano de todos: “A gente ainda fala sobre educação inclusiva. Mas toda educação deve ser inclusiva, não devia ter essa denominação. Essa visão devia estar em todo o processo educativo”.

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