Transformar a realidade

Ter uma sociedade inclusiva significa muito mais do que colocar o aluno dentro da sala de aula regular ou universalizar o ensino. Significa apoiar a pessoa com deficiência em todos os âmbitos, fornecendo as condições necessárias para que a cidadania se expresse em sua plenitude. O Poder Público tem papel fundamental nesse processo ao garantir ações que promovam resultados eficazes e eficientes para uma sociedade mais acolhedora.

Não basta, no entanto, criar legislações diversas que teorizem acerca de determinações que não são exequíveis. O ideal é fornecer subsídios para que essa construção rumo à inclusão total se dê cotidianamente – mesmo que aos poucos. Afinal, todos são iguais diante da lei, mas há alguns que necessitam de atendimentos específicos, e o Poder Público deve garantir os subsídios para que não lhe faltem os direitos básicos, principalmente os compromissos firmados na Constituição Federal de 1988.

Há muitos avanços a serem celebrados – é preciso que se ressalte. Os direitos já garantidos, a disseminação do conhecimento sobre a inclusão e a convivência com o diferente são conquistas que, paulatinamente, tomam a sociedade por um impulso que a faz querer mais. E é esse impulso que deve unir família, escola e Poder Público num só pensamento: transformar a realidade.

 

Qualidade do ensino é o desafio

Com o aumento no número de estudantes com deficiências matriculados, o acesso não é o que mais preocupa. Agora, as unidades devem manter a qualidade do ensino para promover a inclusão – de fato

Rômulo Costa / romulocosta@opovo.com.br

A inclusão escolar não se encerra na matrícula. Isso deve estar muito claro entre professores, alunos e gestores. Para que a escola possa ser de todos, a atenção precisa se expandir para além do acesso. Esse é o desafio e, talvez, o caminho definidor entre uma sociedade que simplesmente integra e aquela que inclui. A educação ajuda a promover a equidade entre os alunos, mas é apenas um dos protagonistas no processo de inclusão. Esse olhar deve alcançar outros grupos para que o objetivo de conviver com os diferentes se consolide.

Isso demanda tempo e cuidado. A própria escola precisa se aperfeiçoar. Na opinião de Rebeca Otero, coordenadora de Educação da Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura das Nações Unidas (Unesco) no Brasil, o País tem conseguido universalizar o acesso à escola. Isso reforça seu caráter inclusivo, mas é preciso fazer mais, de acordo com ela. Agora, o desafio é trazer qualidade de ensino para todos os alunos, o que diz respeito também aos estudantes com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

“Esse problema da qualidade impede, por exemplo, que se universalize no Ensino Médio. Os alunos (com deficiência) não chegam lá ou, se chegam, é no nível não condizente com a realidade”, pondera a coordenadora. Esse contexto pode causar o que se chama de exclusão intraescolar. Significa dizer que o aluno nesse perfil tem acesso à escola, mas não está aprendendo como deveria. E as razões são inúmeras, desde a baixa formação de professores até a estrutura que não respeita as especificidades de cada estudante.

Rebeca Otero defende que a verdadeira inclusão só ocorre quando a escola tem esse cuidado. “Eu posso ter uma escola que abriu as portas para todos, mas que não está ainda preparada para isso”, demarca.

Para mudar

Entre as soluções possíveis para mudar esse quadro, está o processo de revisão das práticas escolares. Isso passa também pelo processo de acessibilidade, que, apesar de algumas tentativas, ainda não está concluído em muitas unidades brasileiras. Para Carla Mauch, coordenadora da ONG Mais Diferenças, esse processo deve chegar não só à estrutura arquitetônica, mas também a livros didáticos, comunicação escolar e currículo.

“É necessário pensar em práticas pedagógicas inclusivas. A gente vê um discurso de compreensão, mas, quando vamos ver o dia a dia, percebemos que a escola ainda acaba discriminando, segregando”, considera.

Com o aluno já matriculado, a escola deve olhar para frente. E nisso cabe, inclusive, a reformulação de práticas muito consolidadas. “A seriação, o sistema avaliativo, as cobranças curriculares, a quantidade de alunos por turma e o material didático utilizado podem ser complicadores no exercício da inclusão”, considera Juliana Santana, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e mestre em Educação Inclusiva.

Ela sugere que se repense essa estrutura com o objetivo de levar uma educação inclusiva. “É, de fato, desafiador, praticar o respeito às diferenças num contexto de homogeneização, classificação e competição, onde, por vezes, apenas os ‘melhores’ gozam do reconhecimento e das conquistas de promoção”, completa.

REBECCA CORTEZ

O papel do Poder Público

O sistema público de ensino tem avançado a passos largos para garantir atendimento especializado e inclusão das pessoas com deficiência nas escolas regulares. Apesar das conquistas, ainda há muito por fazer

Lucas Mota / lucasmota@opovo.com.br
Isabel Costa / isabelcosta@opovo.com.br

Liderando a Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para os Idosos e as Pessoas com Deficiência do Estado, Rebecca Cortez projeta um futuro no qual não será mais necessário falar em inclusão. As pessoas, ela diz, vão entender que o outro é apenas um indivíduo com particularidades. Enquanto esse tempo não chega, ela ajuda a colocar em prática as políticas públicas propostas nas legislações. As ações são amparadas pelo Gabinete da Primeira-Dama, Onélia Leite Santana. A coordenadoria – que surgiu a partir do Projeto Ceará Inclusivo – desenvolve ações articuladoras entre várias áreas. Da educação à geração de empregos. Na entrevista a seguir, Rebecca fala sobre os avanços da legislação, as conquistas do poder público no Estado e sobre a necessidade de quebrar barreiras atitudinais.

 

O POVO – Muitos especialistas têm apontado que, no Brasil, temos uma legislação ampla. A senhora concorda com isso? Nossa legislação é abrangente?
Rebecca Cortez – Se fosse só para seguir a legislação que já existia, não teria tido essa necessidade de criação de uma nova legislação, que foi a LBI. Mas a legislação antes era um pouco fragmentada. Por exemplo, com a Constituição de 88 mesmo, nós teríamos assegurados todos os direitos fundamentais de todos os cidadãos. Mas não está explícito que a educação tem que incluir aquelas pessoas que têm algum tipo de necessidade educacional especial. E a partir daí, foram se desenvolvendo as legislações. Foi criada a Lei de Bases e Diretrizes da Educação, que já inclui a educação inclusiva. Falando da educação, veio a Convenção da ONU, que tem um valor de emenda constitucional. E por último, a LBI. De legislação, nós estamos bem amparados. A LBI trouxe uma nova perspectiva em relação, principalmente, a educação. Ela trouxe a questão do professor apoiador, que deve existir para acompanhar esse aluno nas necessidades educacionais especiais que ele tem. A questão de não cobrar taxa extra. É uma questão importantíssima para as crianças que estudam nas escolas particulares. Anteriormente, sabemos que era cobrada essa taxa. Hoje, sabemos que a cobrança de taxa é indevida, e a escola pode ser descredenciada. Além disso, veio a questão de frisar que a criança deve ser incluída e oferecidas ferramentas para a criança ou o adolescente ser incluído. E existirem ferramentas para que ela continue na escola e se desenvolva. E aprendendo, crescendo e desenvolvendo todas as suas habilidades. A LBI trouxe essa inovação, e a legislação anterior não se referia ao uso indevido dessa cobrança.

 

O POVO – O que era mais difícil antes da LBI?
Rebecca – A questão da aceitação. Algumas escolas não aceitavam a inclusão dessas pessoas com deficiência. Criavam milhões de mecanismos de barrar a entrada do aluno. E hoje em dia, isso é contra a lei. Ainda acontece? A gente sabe que acontece. Mas, se existe a ferramenta legal e os órgãos de fiscalização, seja o Ministério Público, seja o Conselho de Educação, é seguro que existe essa lei. Se o usuário for negado à escola, ele tem como entrar com um processo, pedindo a admissão dele e a punição da escola que negou.

 

O POVO – Mas hoje as pessoas com deficiência têm os direitos garantidos na prática? E de que forma a Coordenadoria tem acompanhado essa questão?
Rebecca – Em relação à educação inclusiva, posso dizer como um consenso que existe entre quem participa é que na esfera pública essa política tem sido efetivada mais que na esfera privada. Nas escolas públicas temos recebido mais alunos, temos conseguido manter esses alunos e criado mecanismos para que eles sejam desenvolvidos. Atualmente, temos aproximadamente 3.200 alunos inscritos na rede estadual. O Município, por conta da educação infantil, soma mais de 34 mil alunos. Então, é um número significativo mostrando que o poder público tem dado uma atenção especial à educação inclusiva. E, inclusive, as escolas públicas têm a obrigação de ter o AEE, que é o Atendimento Educacional Especializado. Esse atendimento funciona de maneira complementar ou suplementar ao ensino regular. É feito para atender só essas pessoas que têm necessidades educacionais especiais. Conta com Salas de Recursos Multifuncionais, as SRMs. Os professores que participam do AEE, além de desenvolverem o aluno, são capacitados para atuarem na área. Eles foram uma ponte dos alunos com os professores do ensino regular. Há uma troca de conversa para ensinar como o aluno se desenvolve melhor.

 

O POVO – Há uma barreira de atitude no sistema de ensino?
Rebecca – A gente não pode falar só pelo sistema público de ensino. Temos que falar pelo público e pelo privado, pois são os dois que existem. A questão da barreira atitudinal é encontrar pessoas que são resistentes à questão do ensino, de inserir, de aceitar e de trabalhar o aluno. Numa experiência pessoal: na sala do meu filho, havia uma criança autista. E eu escutei outras mães dizendo que ele atrapalhava o funcionamento da sala. Em vez de pensar na perspectiva de ensinar o filho que as pessoas são diferentes por si sós, que todo mundo possui características diferentes, as pessoas têm aquela resistência de não aceitar. Acho que a gente está preparado para aumentar essa rede. Seja na questão do reconhecimento, de saber que essas pessoas têm que estar incluídas, seja no que já foi feito. Em 2016 foram contratados 50 professores apoiadores, que estão distribuídos em 32 municípios, para trabalhar com essas crianças. Existe um centro especializado de educação, o Creaece. Lá, tem curso de formação para professores para trabalhar com alunos com surdez. Existem alguns equipamentos no Estado que são voltados para que a gente consiga essa inclusão. Mas, infelizmente, no meu ponto de vista, a questão da barreira atitudinal ainda existe.

 

O POVO – O que a senhora identifica como avanço na questão da inclusão? E o que ainda falta fazer?
Rebecca – Não daria para citar todos os avanços que aconteceram. Hoje, a inobservação de assegurar todos esses direitos, e o da educação obviamente, é tratado como improbidade. Não é aquela coisa de mudar a gestão e esquecer a política, pois não é política prioritária do governo. O gestor, não observando essa questão da educação, que precisa ser inclusiva e incluir a todos, é tratado como improbidade. Isso foi um avanço. Pois a maioria das coisas funciona só quando é cobrada. E em relação à educação, no Ceará, já estávamos à frente. Não foi preciso esperar vir uma lei que obrigue. Mas, por exemplo, os AEEs já existem há mais de cinco anos e atendem um número significativo de pessoas. Tem convênio com as ONGs. Já foram feitas inúmeras coisas voltadas à participação plena dessas pessoas com deficiência em qualquer uma das escolas. O que falta, torno a dizer, é a questão de superar a barreira atitudinal. Entender que essa pessoa tem os mesmos direitos. Ela deve ser recebida, absorvida, desenvolvidas suas habilidades da mesma forma que uma pessoa sem deficiência. Não é só não ter a vaga. Muitas vezes tem a vaga, mas não tem a disponibilidade daquela escola receber um aluno com deficiência da mais simples – por exemplo, a deficiência física porque a escola não tem um banheiro. Já existem as adaptações razoáveis. É um ônus mínimo para um ganho imenso. Se todo mundo lutasse pensando em incluir, já teríamos avançado bem mais. Não são só recursos financeiros para serem destinados. É a questão de entender e fazer a diferença.

 

O POVO – O Ceará é um estado inclusivo?
Rebecca – Ainda falta muito. Falta do mais simples, que a gente pode perceber no cotidiano, que é a acessibilidade de mobiliário urbano e física. Nas calçadas de Fortaleza dificilmente há três quarteirões seguidos que a pessoa com deficiência possa transitar sem encontrar obstáculos, físicos ou visuais. Do mínimo ao mais importante, que é a questão da educação, que considero importante. Ainda falta conseguir 100% das pessoas matriculadas. Mas o número que temos hoje em dia é significativo e é maior do que outros estados que têm economia mais fortalecida que o Ceará. O olhar da gestão do governo, na gestão passada e nesta, é bem sensível a esse segmento. O olhar de efetivar esses direitos para quem os teve negados por muito tempo.

 

O POVO – Alguns especialistas falam que há dificuldade em medir a inclusão. Existe uma ferramenta, de maneira geral, que possa apontar se as pessoas com deficiência têm conseguido se sentir incluídas?
Rebecca – Temos alguns números. Por exemplo, das pessoas com deficiência incluídas no mercado de trabalho. Em relação à educação, temos o número de alunos incluídos na rede estadual de ensino em 2015. Além disso, podemos mensurar as escolas que recebem esses alunos. No ensino regular, o AEE é um equipamento que é no contraturno. Ele complementa. A questão dos Núcleos de Apoio Pedagógico Especializado, os Napes, que é de extrema importância. Nesses núcleos existe uma equipe multiprofissional de assistente social, psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional. Nós temos oito escolas no Ceará que possuem esses núcleos. É uma equipe multiprofissional pensada para trabalhar a perspectiva pedagógica, para facilitar, para desenvolver as habilidades. A gente consegue mensurar esse tipo de ação. Onde estão os recursos, quais são as entidades, quais são as escolas.

 

O POVO – O que a senhora espera da inclusão nos próximos anos?
Rebecca – Espero que a gente supere a questão da inclusão. Da pessoa com deficiência, historicamente, passamos por uma época de negação. De pessoas com deficiência quando nasciam eram enterradas vivas. Depois, passamos por fase de segregação. E, de um tempo para cá, a inclusão. Eu gostaria que a gente não precisasse falar mais de inclusão, que a gente entendesse que todo mundo é igual. Quando o aluno chegasse para procurar uma escola, ele fosse recebido como todo. E seriam trabalhadas suas habilidades quando são trabalhadas dos outros. Uma criança que tem dificuldade de enxergar não é colocada na frente? Então, todo mundo tem suas características diferentes. E o ideal é que todo mundo fosse tratado igual. Que a gente não precisasse falar assim “vamos incluir”. Que funcionasse de forma que todo mundo fosse incluir. Isso é o que eu desejo, que todos fossem tratados iguais. Mas em relação à educação, espero que a gente continue avançando. Não só por uma questão de alfabetizar ou trazer essas pessoas para o ensino regular, mas também pensando na perspectiva futura.

 

O POVO – A senhora se refere a quê?
Rebecca – Hoje, no Brasil, temos um percentual mínimo de pessoas com deficiência com ensino superior. Se a gente conseguir trazer essas pessoas para participar do ensino regular, desenvolvendo suas habilidades no contraturno, vamos com certeza estar formando profissionais mais qualificados na frente, que consigam fazer ensino superior e ter trabalho. Infelizmente, ainda temos diferenciação. No Brasil, os empregos para pessoas com deficiência exigem uma menor qualificação. Pois o percentual de pessoas com ensino superior é bem pequeno. Pensando também em uma perspectiva futura, de essas pessoas participarem do mercado de trabalho e competirem de igual para igual, o meu desejo é que a gente consiga incluir. É muito difícil falar para uma mãe que já tentou colocar seu filho várias vezes nas escolas, aceitar ainda colocar o filho no ensino regular. Ela já vem cansada daquela luta. Volto a dizer, a barreira atitudinal é a principal. Se é identificado na escola que a criança não está conseguindo se inserir, se todo mundo tivesse superado a barreira do preconceito, nós conseguiríamos deixar a criança na escola incluída com os colegas e professores.

 

O POVO – E o que a sociedade pode fazer para conseguir superar essa barreira? Que não está só na escola, mas em outros espaços também.
Rebecca – Nós, da sociedade civil, todos, podemos fazer muito. A primeira coisa é entender que o outro é um espelho. Somos todos iguais perante a lei. Tratar o outro de igual para igual, mas entendendo que algumas pessoas possuem necessidades específicas. E respeitar o outro como semelhante, porém como pessoa que possui características diferentes das suas e pode necessitar de um tratamento diferenciado. A gente sabe as vagas preferenciais. Elas não são respeitadas ainda. O mínimo a gente não conseguiu fazer enquanto sociedade. Você, como cidadão com deficiência, tem que entender qual o contexto em que está inserido. Tem que conhecer os marcos legais para poder cobrar. Se empoderar, entender qual o contexto e cobrar os direitos. E nós, cidadãos sem deficiência, entender que o outro é um semelhante, mas todos possuímos características e necessidades diferentes.

 

O POVO – Qual avaliação a senhora faz do papel da Coordenadoria nesse contexto?
Rebeca – O Estado tem um papel fundamental. Foi assegurado por lei que existam os AEEs, que trazem um enorme ganho para as pessoas com deficiência. Eles complementam a atividade do ensino regular, no intuito de desenvolver todas as habilidades da pessoa. E hoje temos diversas escolas que possuem AEEs. E convênios também com organizações não governamentais. Hoje em dia não tenho receio de dizer que o Estado – quando eu falo, é Estado e Município – consegue cumprir com a obrigatoriedade e efetivação da lei muito mais que as escolas privadas. Pelo percentual de equipamentos que possui, pela capacitação dos professores. Nas escolas particulares, não há capacitação do professor como intérprete de libras. Mas a libras é a nossa segunda língua. O surdo é alfabetizado em libras. O Estado possui, o Município possui. Na questão da educação, a rede pública está avançando a passos largos. Ainda faltam algumas coisas com toda certeza. Sempre vai faltar. Mas avançamos a passos largos quando implantamos o AEE, quando temos as Salas de Recursos Multifuncionais, quando capacitamos professores para trabalhar educação inclusiva, quando temos um equipamento que é formador de professores. A gente já avançou muito.

 

O POVO – E o que ainda falta?
Rebecca – Ainda falta a questão de vaga. Principalmente, nos municípios do Interior. A gente sabe que na Capital as coisas funcionam melhor. Pela população e quantidade de equipamentos. Mas ainda falta levar para o Interior o conhecimento também. Quem está nos municípios, às vezes, nem sabe quem procurar. Nos municípios existem as Credes. E as pessoas que precisarem que alunos sejam inseridos na educação inclusiva devem procurar as Credes. Mas muita gente no Interior não sabe dessa informação. Falta ampliar essa rede, esse público. E estar sempre insistindo na capacitação das pessoas. Para que a gente forme não só professores, mas pessoas que consigam disseminar a acessibilidade.

 

Serviço
Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para os Idosos e as Pessoas com Deficiência do Estado

Coordenadora Especial: Rebecca Cortez Dauer
Onde: av. Santos Dumont nº 1589 – Aldeota – Praça Luíza Távora. Fortaleza/CE
Telefone: (85) 3101 1645
www.portalinclusivo.ce.gov.br

Plano Estadual da Educação.

Estratégias para o futuro

Baseado no Plano Nacional de Educação (PNE), o plano estadual também cria estratégias para fazer da escola um ambiente inclusivo. A ideia é que as ações tenham resultados até 2024

Rômulo Costa / romulocosta@opovo.com.br

O Plano Nacional de Educação (PNE) orientou a criação de outros documentos que determinem estratégias para o ambiente escolar. No Ceará, não foi diferente. Desde junho, o Plano Estadual de Educação (PEE) passou a servir como espécie de baliza para as atividades de instituições de ensino públicas e privadas que buscam alcançar avanços na educação. A intenção é que o documento traga resultados até 2024. Em pauta, estão ações que pretendem chegar desde a erradicação do analfabetismo até a universalização do atendimento escolar. A inclusão na escola também é um dos destaques do plano.

A meta 4 do documento estabelece estratégias para universalizar o atendimento escolar de alunos “com deficiência, distúrbios psicológicos alimentares, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação”, preferencialmente, na rede regular de ensino. A proposta não só está alinhada ao que garante o PNE como também se aproxima à ideia de escola inclusiva proposta pelos pesquisadores do tema. Os mecanismo definidos pelo plano devem alcançar o público com idade entre 4 e 17 anos, o que abrange a Educação Infantil até o Ensino Médio.

As estratégias do plano abordam desde o atendimento de alunos com esse perfil até a formação de professores. Ele também determina ações para permanência do estudante na escola, a pesquisa sobre esse público e define procedimentos de gestão.

De acordo com Antônia Alves dos Santos, orientadora da Célula de Educação Continuada, Inclusão e Acessibilidade da Secretaria Estadual da Educação (Seduc), o plano é um instrumento de administração, que orienta as políticas da pasta sobre o tema.

Segundo ela, parte das estratégias por ele definidas já tinha aplicação nas escolas. O documento veio para balizar esse processo e estabelecer prazos. “A Política Nacional de Inclusão, aprovada em 2008, já garantiu diversos direitos aos estudantes. O plano estadual já nasce pautado nisso”, demarca a gestora.

Antônia comenta que as escolas públicas da rede estadual do ensino estão em exercício de inclusão há pelo menos 7 anos, fato que a deixa otimista sobre o cumprimento dos prazos definidos pelo documento. “Já temos alunos que concluíram a Educação Básica e construíram histórias interessantes”, considera. O desafio, agora, é fazer com que mais estudantes com deficiência cheguem ao Ensino Médio.

Caminhos

Mestre em Educação Inclusiva, a professora Juliana Santana, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), concorda que as metas garantidas pelo plano possam servir de orientação para políticas públicas. Mas ela propõe ampliar a discussão ainda mais. A professora sugere que o plano venha alicerçado com constantes diálogos sobre a realidade das salas de aula.

“O que devemos fazer para tornar a escola inclusiva já é discutido e sabido por muitos profissionais da educação, com poucas exceções. A dúvida que permanece está relacionada ao como fazer; aos subsídios que são oferecidos para que a inclusão aconteça dentro de cada sala de aula, dentro de cada escola”, opina.

A professora afirma que as metas do plano ajudam a escola e a sociedade a “caminharem rumo à inclusão”. No entanto, propõe que o tema permaneça em pauta e com estudantes vigilantes quanto aos investimentos destinados à educação.

O que diz o Plano Estadual da Educação?

Os caminhos para a educação inclusiva estão demarcados na meta 4 do plano. O objetivo é universalizar o atendimento escolar, preferencialmente na rede regular, de alunos com deficiência, distúrbios psicológicos alimentares, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. A ideia é que as ações surtam efeito até 2024, com foco em estudantes entre 4 a 17 anos. Entre as ações, está a garantia do atendimento educacional especializado (AEE) em instituições públicas ou comunitárias, com colaboração entre estado e municípios.

Estratégias:

ATENDIMENTO

– Garantir escolarização de qualidade na rede regular de ensino, com o Atendimento Educacional Especializado (AEE).

– Ampliar o número de Salas de Recursos Multifuncionais em escolas urbanas, do campo, indígenas, de comunidades quilombolas e de povos tradicionais.

– Garantir que a educação especial seja integrada à proposta pedagógica da escola já no primeiro ano de vigência do plano.

– Garantir oferta de educação bilíngue (português-libras) para alunos com deficiência auditiva e adoção do sistema braille para cegos.

– Garantir a presença de profissionais de apoio (psicopedagogos e psicólogos) ou acompanhante especializado sem que isso repercuta em cobrança adicional, no caso das escolas privadas.

– Promover parcerias com instituições comunitárias e filantrópicas para ampliar oferta de AEE.

– Descentralizar o Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado do Ceará (Creaece).

– Garantir Salas de Recursos Multifuncionais a todos os alunos com deficiência matriculados na rede básica.

– Reservar mínimo de 5% das vagas em escolas profissionalizantes para alunos com deficiência.

PERMANÊNCIA

– Permitir o acesso e a permanência dos alunos por meio de processo permanente de mobilização da comunidade escolar.

– Fortalecer e monitorar o acesso e a permanência à escola e ao AEE.

FORMAÇÃO

– Criar política de formação inicial e continuada para profissionais da educação, garantindo uso de tecnologias de comunicação e informação.

– Qualificar o atendimento e o desempenho de professores nas Salas de Recursos Multifuncionais com acompanhamento pedagógico e material necessário.

– Ofertar cursos de formação continuada em educação especial e inclusiva para professores e outros profissionais da educação.

– Incentivar a inclusão nos cursos de licenciatura e nos demais cursos de formação de profissionais da educação, inclusive em pós-graduação voltado para o atendimento especializado.

GESTÃO

– Garantir programa específico de recursos permanentes para complementar os programas federais. Os recursos devem ser usados para reformas de acessibilidade, transporte acessível e material didático próprio.

– Promover articulação entre órgãos sobre atendimento escolar para pessoas com idade superior à faixa etária da escolarização obrigatória.

– Aprovar lei regulamentando a função de cuidador para alunos com deficiência e transtornos globais de desenvolvimento. Prazo de um ano após a publicação do plano.

PESQUISAS

– Desenvolver e divulgar pesquisas para elaboração de metodologias e materiais didáticos, entre outras, com a colaboração com universidades.

– Contabilizar os estudantes que recebam AEE nas escolas públicas do ensino regular.

– Promover pesquisas interdisciplinares para ancorar a criação de políticas públicas.

– Desenvolver indicadores para avaliar a cobertura e a oferta da educação especial.

– Mapear necessidades das pessoas em idade escolar que não estão matriculadas na rede de ensino para proporcionar inclusão.

A busca da autonomia

O autismo do filho Lucas não é visto como uma barreira intransponível pela mãe Isabel Martins. Com a ajuda da escola, ela tenta encontrar caminhos que garantam a autossuficiência do adolescente

Rômulo Costa / romulocosta@opovo.com.br

Pensar no futuro de Lucas Martins, de 14 anos, é sempre encarar a autonomia como um caminho. Nunca foi diferente. Desde que descobriu que o filho tinha autismo, a professora Isabel Martins Pinto, de 46 anos, buscou de todas as formas mostrar para si e para o mundo que Lucas pode ser o que ele quiser. Mas, para preparar o amanhã, a mãe fez questão de cuidar do presente.

Aos poucos, o adolescente vai encontrando a autossuficiência em pequenos exercícios cotidianos. Essa foi a maneira que Isabel encontrou para dizer ao filho que ele é capaz. As idas às bancas de revista acontecem sozinho, assim como pequenas compras e saídas para locais próximos a casa. É desse modo que Lucas encontra a vida e se expande. “Ele está melhorando, e a família tem que melhorar também, percebendo até onde vai, para não limitar”, conversa Isabel.

Para ela, a maior parte desse avanço só foi possível por conta da inclusão na escola. Lucas está no 7º ano do Ensino Fundamental em uma sala regular. Divide a rotina com os amigos que construiu desde que ele chegou ali há cinco anos. O respeito que surgiu entre eles fez o garoto evoluir.

“O Lucas fez outros amigos, conheceu outra realidade. A aceitação foi importante”, considera a mãe. “A gente encontrou, junto com a escola, formas para que ele participe das atividades, respeitando o jeito dele. Não é porque o Lucas é autista que não vai participar da feira de ciências, por exemplo”, completa.

Mas nem sempre foi assim. Até encontrar essa escola, Isabel recebeu muitos nãos e portas fechadas. Cinco escolas disseram que não podiam matricular o menino por conta do autismo. Em todas as vezes, Isabel se frustrou, mas não tirava da cabeça o desejo de que o filho estudasse em uma escola regular. “O Lucas tem dificuldades e isso deve ser trabalhado com outros que não tem a mesma deficiência. Isso o faz melhorar”, afirma a mãe.

Encontrar uma escola de portas abertas, para Isabel, é tão importante quanto as terapias e as atividades que o adolescente tem na rotina. A evolução se mostrou principalmente na interação entre as pessoas. O Lucas, que sempre respondia com frases curtas e não se interessava a criar laços mais fortes de amizade, transformou-se diante dos novos amigos e da rotina. Hoje, os resultados são postos em prática: “Eu vejo a escola como um fator muito importante. Depois da casa, é o local onde eles passam mais tempo. Por isso, é fundamental que a escola acolha e os respeite. Eu sei que dá certo trabalho, mas isso faz um bem enorme”.

E é esse cuidado no presente que vai repercutir, mais à frente, na vida de adolescente. Para Isabel, o caminho da autonomia deve ser alicerçado no respeito que se constrói ao longo dos caminhos de possibilidades. “No futuro, eu espero que ele tenha a vida dele. Eu quero que ele seja um adulto independente”, projeta.

Agenda 2030. Educação inclusiva é uma das metas da ONU

A garantia de uma educação inclusiva e equitativa está entre as metas da Agenda 2030, estabelecida pela Organização Nacional das Nações Unidas (ONU). O objetivo é que, até o ano de 2030, os países que integram a organização possam criar políticas públicas que garantam as 17 metas propostas pelo documento.

De acordo com Rebeca Otero, coordenadora de Educação da Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura das Nações Unidas (Unesco) no Brasil, a organização deve pensar em medidas que avaliem se os países estão cumprindo as metas determinadas.

Para o cumprimento dos objetivos no Brasil, Rebeca Otero defende que exista ainda mais investimento. “O País já investe em educação, mas precisa investir mais. São necessários recursos para alcançar tanto as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) como esses objetivos”, considera.

Além de ampliar os recursos, é preciso ainda ter uma boa gestão do dinheiro investido, ela sugere. “Precisamos otimizar esse investimento. Criar parcerias com outros setores para trazer benefícios para a educação pública, por exemplo”, cita a gestora. (Rômulo Costa)

Desafios para inclusão

Especialistas em educação se debruçam sobre as questões desafiadoras para alcançarmos uma sociedade verdadeiramente inclusiva

Lucas Mota / lucasmota@opovo.com.br

Da Constituição de 1988 para cá, a educação inclusiva no Brasil teve avanços consideráveis na legislação e nas políticas públicas. Apesar de amparada por lei, a inclusão nas escolas ainda precisa de ajustes desafiadores dentro da proposta pedagógica de integração de todos, que passa pelo respeito às diferenças, sistema de ensino competitivo, formação de professores e falta de informação. Para que a criança não somente entre na rede de ensino, mas permaneça com a garantia do aprendizado e da sociabilização.

Segundo a professora da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal do Ceará (UFC) Adriana Limaverde, o acesso do aluno ao ensino regular é inquestionável, tendo em vista os avanços da legislação. Entretanto, afirma a especialista, o modelo da escola atual dificulta a inclusão do estudante com deficiência. Um dos fatores destacados pela docente é o ambiente competitivo dentro das unidades escolares. A sugestão é de um espaço de colaboração.

“O sistema de avaliação classificatório adotado nas escolas é excludente. Classifica pelo melhor, a meritocracia. Esse modelo não atende a sociedade inclusiva. A própria UFC tem um programa de aprendizado mostrando a metodologia de cooperação. Aprender em regime de colaboração sem competição. O aluno preparado com o trabalho de colaboração pode enfrentar o desafio de competição sem exercitar esse individualismo na escola. É difícil inclusão nesse contexto”, define Adriana.

Para ela, a educação inclusiva também precisa superar questões no âmbito familiar e na formação dos professores, como a falta de informação. “As famílias não têm conhecimento do direito a matrícula. As condições de trabalho dos professores interferem. Os professores se sentem impotentes neste trabalho com a diversidade. Eles alegam que não tiveram formação para atender esses alunos, mas acreditamos que esse argumento não se sustenta”, afirma.

A professora Rita Vieira de Figueiredo, aposentada da Faced da UFC e PhD em psicopedagogia, acredita que o principal desafio da educação inclusiva seja manter os investimentos para dar sequência aos trabalhos inclusivos. “É preciso preservar o programa de professores. O maior desafio é transformar a escola e isso implica ter investimento para a educação, uma pauta de governo que priorize os investimentos sociais na cultura da educação”, avalia.

Entre os avanços no campo inclusivo, as professoras destacam a Política Nacional de Inclusão, de 2008, que contribuiu para melhorias diretas no ensino. “Houve a implantação do atendimento especializado ou suplementar à escolarização. Antes, as crianças chegavam à escola e não tinha espaço de complemento ao seu processo de aprendizado. Percebo que, em termos de políticas públicas, houve uma evolução na rede pública, com ofertas especializadas”, destaca Adriana. “Dá suporte ao aluno que precisa de serviços para que possa desenvolver autonomia para aprender na escola ou em ambientes sociais. É um serviço assegurado por lei”, reforça Rita.

Olhar estrangeiro sobre a inclusão

Há 11 anos no Ceará, o canadense Jean-Robert Poulin tem desenvolvido pesquisas na área de educação inclusiva. Após 35 anos atuando no campo de psicopedagogia no Canadá, o professor veio para Fortaleza a convite de uma equipe da Universidade Federal do Ceará (UFC)

Lucas Mota / lucasmota@opovo.com.br

Especialista na área de educação inclusiva, o canadense Jean-Robert Poulin trouxe um olhar estrangeiro para o segmento do ensino no Brasil. Após 35 anos atuando em pesquisas na área de psicopedagogia em seu país de origem, Poulin aceitou o convite de professores da UFC para uma pesquisa sobre os processos de transformação de uma escola pública de ensino fundamental de Fortaleza em uma unidade com práticas inclusivas.

No Ceará há 11 anos, o canadense tem ajudado a desenvolver a inclusão, trazendo a experiência adquirida dos estudos no Canadá. Poulin explica que, diferente do que ocorre no Brasil, com leis amplas de incidência federal, a legislação no Canadá nesta área se restringe ao âmbito provincial. “No Canadá, o controle de cada província não é federal. De dez, duas províncias têm uma lei comparável à lei brasileira, que exige a inclusão de todos os alunos com necessidades especiais na escola regular. Não é tão exigente como no Brasil. A lei brasileira é clara”, descreve.

O Brasil, pontua Poulin, está evoluindo no campo de inclusão nas escolas. Entretanto, é preciso entender que a mudança deve ocorrer a longo prazo. “No Canadá, vou dizer que a situação está evoluindo muito, mas depois de 30 anos em tentativa para favorecer o processo de deficiência, da dificuldade de aprendizado”, explica. O professor canadense afirma que a transformação da escola passa pela mentalidade do povo e de investimentos do poder público. “Existe um período de adaptação. Não se pode fazer uma mudança radical da escola num período breve de tempo. É preciso uma mudança no olhar para a diferença, a valorização dela. Isso pode permitir o desenvolvimento social muito mais satisfatório. Todos, pais e professores, devem entender que não será perfeito desde o início”.

Um dos principais desafios, na avaliação do canadense, é a formação dos professores. “É um horror. Os formadores na universidade, em geral, não trabalham nessa perspectiva. Há um ou dois professores que tratam sobre esse assunto (inclusão). Outros seguem como se essa realidade não existisse no meio escolar”, completa.

Em 2013, o professor Jean-Robert Poulin escreveu uma carta destinada à presidente da República na época, Dilma Rousseff, em que fazia uma avaliação sobre a educação inclusiva no Brasil. Ele também alertava sobre o Plano Nacional da Educação, em trâmite no Senado naquele ano, na qual apontava uma regressão com a aprovação da matéria. O PNE foi sancionado no ano seguinte.

O canadense Jean-Robert Poulin defende a criação de um grupo de observação para avaliar a evolução da educação inclusiva. “Fazer uma análise da progressão do tempo. Não se pode esperar. Senão, em 50 anos, vão olhar e perceber a mesma situação. É um projeto de vários anos”.

A UFC foi pioneira na oferta do serviço de formação de professores inclusivos. A instituição disponibilizou o primeiro curso de docente para o atendimento educacional especializado, segundo a professora Rita Vieira de Figueiredo. A Universidade se antecipou à Política Nacional de Inclusão e, em 2007, abriu a primeira turma, formando 1.300 professores para todo o Brasil. Já foram formados até 2014 mais de 3.000 docentes.

A última edição do curso de formação de professores inclusivos, com duração de dois anos, ocorreu em 2014. A professora Rita Vieira está receosa quanto à atuação do atual governo do presidente Michel Temer, tendo em vista a continuação das políticas públicas no setor. “Tememos por esses cortes que estão sendo propostos e efetivados na educação. Estamos perdendo o que consideramos uma conquista da população brasileira em termos de inclusão escolar e social. Após o último curso (formação de professores na UFC), não recebemos mais o apoio do MEC (Ministério da Educação) para reeditar o nosso curso”, relata.

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