Os desafios do acesso à verdadeira educação inclusiva

André Luiz Santos Pessoa

Neurologista infantil, professor do curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará (Uece), neurologista infantil do Hospital Albert Sabin (Sesa-CE) e membro da Comissão Científica da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI)

O Censo do IBGE 2010 aponta que 45,6 milhões de pessoas declararam ter ao menos um tipo de deficiência, o que corresponde a 23,9% da população brasileira. A maior parte delas vive em áreas urbanas – 38.473.702, ante 7.132.347 nas áreas rurais. A deficiência visual atinge 18,8% da população seguida das deficiências motora (7%), auditiva (5,1%) e mental ou intelectual (1,4%).Há diferença significativa no nível de escolaridade entre pessoas com deficiência e a população geral, 61,1% da população com 15 anos ou mais com deficiência, não tem instrução ou tem apenas o fundamental incompleto. Esse porcentual cai para 38,2% para as pessoas sem deficiência.

A nossa constituição garante que somos todos iguais perante a lei, mas será que somos mesmo? Essa indagação é muito forte especialmente se temos na nossa família uma pessoa com alguma deficiência. As imensas dificuldades iniciam muito cedo desde a primeira infância, quando a criança deficiente precisa ser matriculada em uma escola. O dilema entre a escolha de um colégio que seja bom do ponto de vista técnico, acessível financeiramente e ainda que aceite recebê-la já dá o cartão de visita para os pais das dificuldades que estão por vir.

Na minha vida de neurologista infantil, escuto relatos quase diários de pais que, após informarem às instituições que os seus filhos têm diagnósticos que lhe impõem algum tipo de barreira, elas prontamente fecham as portas com as mais diversas desculpas, desde a falta de vagas à falta de estrutura para acomodá-los. Muitas vezes, escolas privadas argumentam que a obrigação de receber tais alunos é do governo, por meio da rede pública de ensino. Contudo, esquecem que a educação é um direito de todos e uma concessão do Estado.

Uma vez superada a primeira barreira, que é a de conseguir o colégio, vem a segunda, e muito pior, que são as inadequadas condições físicas e pedagógicas das escolas de receber um indivíduo com deficiência: falta de acessibilidade em pleno século 21, carteiras, salas e laboratórios não adaptados, ausência de equipamentos desportivos e lúdicos, mesmo com a realização dos jogos paraolímpicos no nosso país. Apesar das leis que garantem a educação inclusiva, não houve, com raríssimas exceções, um movimento de adaptação das escolas públicas e privadas em receber o indivíduo com necessidades especiais.

Muitas escolas usam do rendimento extraordinário de seus alunos como a “mola mestra” para a publicidade, visando à entrada de mais alunos. Dessa forma, é muito melhor receber crianças sem “peculiaridades”, pois individualizar a educação sai muito mais caro e demanda treinamento do corpo docente. Por outro lado, as instituições privadas reclamam que o governo garante a educação inclusiva, mas não dá incentivos fiscais e de outras naturezas.

Temos muitas leis que já garantem a educação inclusiva, o acesso ao mercado de trabalho e até a aposentadoria com tempo reduzido de contribuição. O que falta é o cumprimento das mesmas para que se possa assegurar o atingimento do potencial contributivo desses indivíduos para a sociedade.

Educação inclusiva e formação de professores

Ana Paula Lima

Bacharel em Direito e Doutora em Educação
Professora da Faculdade Ari de Sá 

A educação de crianças com deficiência no contexto da escola regular, conhecida como educação inclusiva, é temática discutida pela sociedade em geral, e especialmente pelos educadores brasileiros, desde a década de 1990. É considerada direito dos que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, nos termos da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, recepcionada por nosso ordenamento jurídico (Decreto n° 6.949/2009). Há inúmeros outros dispositivos legais que disciplinam como os sistemas de ensino e escolas devem estruturar a educação da pessoa com deficiência, muitos deles com origem na pressão social exercida por grupos de pessoas com deficiência e seus familiares.

A legislação normatiza aspectos gerais, mas é no cotidiano das escolas que a realidade da educação inclusiva se materializa, diante de cada aluno concreto.  Nesse sentido, variados aspectos precisam ser constantemente problematizados, tais como a formação dos professores que atuam nesses contextos, a organização pedagógica e estrutura física das escolas e as estratégias de ensino e dos apoios ofertados. É preciso destacar, entretanto, que não há receitas nem caminhos pré-estabelecidos – ao contrário, é preciso que cada contexto escolar seja apoiado para desenvolver seus próprios percursos, a fim de se fazerem escolas inclusivas.

A produção científica da área sugere algumas práticas consideradas exitosas. É preciso que a escola, toda ela, seja sensível às diferenças de seus alunos. Não só os professores, mas também o porteiro, a funcionária que serve a merenda, a equipe gestora – todos devem ser formados, a fim de que compreenderem a presença dos alunos com deficiência naquele contexto.

A formação de professores para atuação em contextos inclusivos deve ser rigorosa e relacionada às necessidades formativas dos professores. Diante da heterogeneidade constitutiva dos alunos com deficiência, há de se questionar sobre o conteúdo dessas formações. Nesse sentido, anterior a qualquer técnica ou método de ensino relacionado aos tipos de deficiência, prioriza-se a lição rica de que a diversidade nos traduz, e que nossas crenças e atitudes diante do aluno com deficiência podem determinar (ou não) a concretização de seu direito à aprendizagem entre seus pares, no chamado contexto inclusivo de educação.

A política de educação inclusiva na rede estadual de ensino do Ceará: avanços e desafios

Gêwada Weyne Linhares

Assessora Técnica da Educação Especial da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc)

Nos últimos anos, as políticas de educação inclusiva no Brasil tiveram um avanço significativo em termos de conquistas e regulamentação de direitos construídos pelo segmento das pessoas com deficiência. Na perspectiva da inclusão, a Educação Especial passa a integrar a proposta pedagógica da escola, promovendo o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

Podemos dizer que, em termos de legislação, atingimos um patamar satisfatório, especialmente depois da promulgação da Lei Brasileira de Inclusão nº 13.146/2015 (ou Estatuto da Pessoa com Deficiência). Em relação às práticas, esse movimento também é observado com destaque para a institucionalização da oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE) pelos sistemas de ensino. No entanto, o desafio posto para as redes de ensino seria o fortalecimento de ações na formação dos profissionais da educação, com destaque para os docentes das séries finais do ensino fundamental e do ensino médio e gestores.

Esse investimento é essencial para o desenvolvimento de uma cultura de fato inclusiva nas escolas, transformando-as em instituições acolhedoras capazes de atender os alunos em suas diferenças e especificidades, direcionando o olhar para o potencial que cada um tem e traz para o ambiente escolar. Isso demanda o desenvolvimento de políticas e práticas pedagógicas de atenção às diferenças baseadas na diversificação didática e na preparação adequada do ambiente escolar para o recebimento dos alunos público-alvo da Educação Especial.

Nesse sentido, a Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc), em 2016, vem desenvolvendo ações e serviços em consonância com a Política Nacional de Educação Especial, entre as quais destacamos o Atendimento Educacional Especializado (AEE), constituído de um conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos incluídos no ensino regular. Este serviço é ofertado no contraturno escolar, em ambientes disponíveis na rede pública estadual e instituições conveniadas. Realiza, ainda, a formação continuada de professores, a acessibilidade e a contratação de profissionais para atender necessidades específicas de alunos incluídos.

Acessibilidade, o respeito ao direito de ser humano e o crime da exclusão

Liduína Carneiro

Presidente da Comissão de Direito da Pessoa com Deficiência da OAB-CE

fl-carneiro@hotmail.com

Art 1°. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. (Declaração Universal dos Direitos Humanos)
Inspirada nesta Carta do pós-guerra, nasceu nossa Constituição Federal de 1988. Cidadania e dignidade da pessoa humana são princípios fundamentais (art.1º, CF/88) no Direito brasileiro, tão fortemente invocados que o Estado, famílias e toda a sociedade estão ali responsabilizados.
De todas as dificuldades encontradas pelas pessoas com deficiência, independente de sua faixa etária, fé ou status financeiro, a barreira social é a mais difícil de transpor. Precisa uma lei a dizer que excluir, discriminar e maltratar é crime, para que essas temam uma punição. Bem assim, os arts. 88 até 91 da LBI preveem como crimes a discriminação, a distinção, a restrição ou a exclusão, por ação ou omissão, bem como a apropriação ou desvio de bens, pensão, benefícios ou remuneração da pessoa com deficiência.
A escola é a porta de entrada para construção da cidadania. É crime negar acesso à educação a um humano. É imoral, inconstitucional e criminosa a discriminação de uma pessoa em razão de sua deficiência. A 13.146/2015 diz que a pessoa com deficiência é pessoa, nem mais nem menos e, como qualquer outra, com direitos e deveres, assim devem ser respeitadas.
Em recente evento da OAB, observei que o espaço físico da FFB aparentava respeito à NBR 9050/2015-ABNT. Em minha mente explodiam perguntas sobre as pessoas por ali frequentes. Alguma pessoa com deficiência? Conteúdos adaptados? Cotas para empregos? Braille, libras e áudiodescrição?
Tecnologia assistiva, libras, adaptação física dos espaços são algumas das adaptações materiais necessárias para transformar um ambiente acessível a todas as pessoas. Entretanto, a mais valiosa acessibilidade é a atitudinal, é o animus de educar e acolher as pessoas conforme suas complexidades de aprendizado, tornando-as aptas para uma vida digna.
Excluir se pratica com tanta naturalidade, que costumam fingir ser normal e necessária a segregação. O que é natural nos iguala. Fome, sede, curiosidade, necessidade de conviver e finitude ou morte! Não iguais e diferentes, seguimos humanos e diversos! Com quase um ano de vigência, a LBI segue evoluindo. As garantias ali positivadas não poderão ser abocanhadas sem que se rasgue a CF. Como um bebê, segue cambaleando para firmar seus passos e continuar seu propósito por humanos mais acessíveis.

 

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