Se essas paredes falassem: grafite e arte de rua no Ceará

Coletivo Acidum Project e artistas como Pirata Hemfil e Brooks o transformam a paisagem urbana em espaço de resistência e imaginação

17:14 | 12 de Nov de 2025
Se essas paredes falassem: grafite e arte de rua no Ceará

A arte de rua reflete múltiplas vozes artísticas do Ceará contemporâneo. A partir da cultura hip hop e do desejo de se expressar ocupando a cidade, o grafite aborda identidade, memória e pertencimento, além de questionar espaços como os museus como principais validadores do que se entende como arte. Hoje, a arte de rua cearense também ocupa as galerias, mas sem perder de vista suas origens.

Exemplo é o duo formado pelos artistas Robézio Marques e Tereza Dequinta, o Acidum Project nasceu em Fortaleza no ano de 2006 e hoje é referência nacional e internacional na pintura, arte urbana e instalações.

Nestas quase duas décadas de atuação, o duo já ocupou ruas e galerias em diversos países, sempre com temáticas que fazem o cotidiano dialogar com o espiritual e o ancestral. Suas obras trazem uma identidade visual inconfundível e que transita entre o universo urbano, a arte contemporânea e as raízes da tradição do Nordeste.

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Essa tônica está presente em “Mantra”, uma de suas exposições mais recentes. Nela, além de pesquisar a relação entre espiritualidade e matéria em composições que misturam referências urbanas e ancestrais, o grupo também amplia seu fazer artístico para outras materialidades, como as esculturas.

Em 2021, o Acidum Project produziu também a capa de “Sankofa”, terceiro álbum do pianista pernambucano Amaro Freitas. A obra foi realizada em 9 meses e resgata referências da diáspora africana.

Mesmo atuando em grandes festivais e pintando murais marcantes pelo Brasil e pelo mundo, o Acidum segue voltando seu olhar ao Ceará para realizar suas ações e criando a partir do imaginário nordestino, com símbolos que evocam o sertão, o misticismo e a natureza.

Pirata Hemfil: arte e resistência na periferia

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No mesmo ano em que o Acidum iniciava suas atividades, o artista visual e grafiteiro Pirata Hemfil teve, no Bairro Ellery, em Fortaleza, seus primeiros contatos com o grafite. De 2006 até hoje, aos 36 anos, Pirata transforma suas vivências em narrativas visuais sobre as periferias de Fortaleza.

Diagnosticado com hemofilia ainda aos 6 meses de idade, vem daí o “Hemfil” no nome artístico. Já “Pirata” veio de uma deficiência na perna direita, resultante dessa mesma condição. Ele encontrou na arte um modo de retratar seu entorno.

“Abordo em minhas obras o cotidiano dos bairros periféricos de minha cidade e de outras realidades que me chamam atenção. O que me inspira são pessoas. Gosto de observar os rostos e as diferenças entre eles, isso me inspira a criar meus personagens. Já a arquitetura da cidade e as pichações me inspiram a criar minhas letras”, conta.

Em 2024, Pirata recebeu um convite da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, através do Museu de Arte de Rua (MAR), para realizar uma intervenção no Céu Pinheirinho, localizado no baixo Jaraguá, onde pintou um mural de 200 m² em parceria com o grafiteiro Sow84.

“Foi uma experiência gratificante, me senti muito honrado. Fiquei bastante feliz e motivado a dar meu máximo para criar um trabalho pesado, feito por um cearense e mostrando porquê recebi esse convite”, conta.

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Além dos murais, Pirata atua há 5 anos no audiovisual, registrando a cena local no canal A’QuebradaFilm’s, no Youtube. “A gente sempre pinta murais, mas ter vídeo do seu processo é difícil, muitas vezes não temos uma verba para o vídeo, então isso me motivou a me lançar a fazer, mesmo sabendo só o básico do básico. Mas pela causa, a gente arregaça as mangas, vai lá e faz”, explica o artista.

Atualmente, Pirata cursa Artes Visuais na Universidade Estadual do Ceará (Uece) e prepara uma nova série de murais chamada “Caçuá”, em que homenageia a cultura popular nordestina em bairros periféricos de Fortaleza.

Sobre a cena de arte de rua na cidade, ele pondera que hoje se vê muito mais grafite pela cidade, mas que é importante não perder a perspectiva da base da cultura hip hop, em que residem “o conceito e o poder histórico político que o grafite traz em sua essência, não só nas pinturas, mas também de como se colocar como pessoa que luta por seus direitos no seu lugar de tempo e espaço na sociedade”.
Pirata também destaca uma maior presença feminina. “Eu enxergo a cena de forma crescente, com muitas mulheres se inserindo no grafite. Isso é importante”, pontua.

 

Os rosas e marrons de Brooks

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Entre essas mulheres, está a grafiteira e ilustradora Bruna Bacelar, conhecida como Brooks. Natural de Russas, reside em Fortaleza desde 2019, quando se aproximou do grafite no Festival Concreto. Na época, também introduziu, junto ao grêmio estudantil de sua escola, durante a Semana da Consciência Negra, o hip hop como uma ferramenta de educação e inclusão social.

“Minha chegada a uma grande metrópole foi um processo importante, um choque cultural decisivo para descobrir quem eu era e o universo de possibilidades ao meu alcance. Essa mudança refletiu principalmente na minha percepção de me ver como uma mulher negra, e essa reafirmação de identidade refletiu diretamente no universo que venho construindo com a arte”, conta.

Suas obras visam promover e fortalecer a autoestima e as identidades negra e feminina. Personagens femininas de traços marcantes em paletas com tons predominantes de rosa e marrom celebram o pertencimento, a beleza e a força da mulher negra.

“Se perceber como ser uma mulher negra é uma jornada contínua e multifacetada. Busco abordar temas como pertencimento, criatividade, beleza, diversidade, reafirmação e resistência”, explica.

Sua estética mistura tons fortes e curvas fluidas que ilustram murais e ilustrações digitais em diversos suportes. “Meu processo criativo costuma ser baseado em pesquisa, observação e experiência do cotidiano, experimentando técnicas, variando e ajustando construções de trabalhos antigos até o resultado que idealizei”. Como arte-educadora, Brooks expande sua atuação também em oficinas e projetos de formação.

“Sinto que venho desenvolvendo e executando consistentemente uma identidade com meu próprio estilo de assinatura nas personagens que já são reconhecidas por seus traços e cores”, celebra.

Dos muros ao mundo

De linguagens e trajetórias distintas, Acidum Project, Pirata Hemfil e Brooks representam diferentes gerações de artistas urbanos que transformam o espaço público em território de arte e pensamento. Entre espiritualidade, identidade e resistência, suas obras mostram que muros podem significar mais do que limites e representar também passagens e janelas para outros mundos possíveis.

 

Sobre o projeto

O “Cultura em Movimento: Ceará que cria, celebra e contagia” é um projeto do Grupo de Comunicação O POVO com apoio do Governo do Ceará. A proposta é fortalecer o ecossistema cultural e estimular sentimento de pertença do povo cearense. Nesta edição, o projeto passeará, de forma multifacetada, por produções culturais em quatro linguagens artísticas, a saber: audiovisual, arte popular, artes plásticas e música