Natureza inspira artistas cearenses a criar obras pautadas na sustentabilidade
Da madeira recolhida nas dunas ao pigmento que nasce do solo do mangue, artistas cearenses encontram na natureza não apenas inspiração, mas também matéria-prima e a identidade visual
Em 1985, o então jardineiro Luiz Antônio Gonzaga trabalhava numa casa localizada no Sítio do Cumbe, comunidade localizada a 12 quilômetros de Aracati. Na região, há muitos coqueiros e uma planta chamada velame, que chamou sua atenção pelo formato que lembra os pés de uma garça.
Foi usando cocos e raízes que Luiz produziu suas primeiras peças e as colocou para enfeitar o jardim. As obras logo chamaram atenção. “Quando viram, todos gostaram. Uma das pessoas o convidou para expor as peças e a partir daí ele não parou mais”, relembra seu filho David dos Santos, que aos 7 anos de idade já começou a produzir com o pai. Desde 2016, incluiu sua pintura às obras, trazendo ainda mais personalidade aos trabalhos.
Do jardim ao Salão
Para além do jardim da casa em que trabalhava, Luiz começou produzindo uma peça para o Museu Jaguaribano de Aracati. Em 1988, já participava do 38º Salão de Abril em Fortaleza, sendo premiado pela obra “Pássaros”. Desde então, segue apresentando suas obras em diversas mostras de arte e design, além de fornecer para vários locais.
A habilidade do artista para visualizar formas em troncos, galhos e raízes faz da sustentabilidade elemento característico da produção de Luiz, que em suas obras retrata de figuras humanas a peixes, aves e outros animais.
“Os materiais são muitos. Da carnaúba e do coqueiro tudo se aproveita. Além disso, há diversos tipos de madeiras e raízes encontradas nas dunas, mangues e sítios da região”, conta David. Luiz faz a coleta desses materiais em caminhadas pelas dunas e proximidades do rio Jaguaribe, atividade que considera prazerosa, especialmente quando chove.
David destaca que “o público sempre fica admirado com o trabalho e parabeniza pela beleza e diversidade das obras. Quando nos visitam, podem ver e sentir que o artista traduz as belezas da fauna e flora local nas mais diferentes peças, muitas delas únicas”.
Pintar com a terra

A sustentabilidade também marca o trabalho de Navegante Tremembé, mulher indígena 60+ da aldeia Varjota, município cearense de Itarema. Há quase 40 anos, a artista produz suas pinturas usando o toá, pigmento natural extraído por ela do solo do mangue com auxílio do cié, um siri que joga os sedimentos do fundo da terra para a superfície.
O processo possibilita a obtenção de diversas cores. Sendo assim, “Toá sobre tela” ou “Toá sobre papel” são as técnicas que constam nas legendas dos trabalhos expostos. Suas pinturas também ornamentam objetos, peças utilitárias e paredes.
“O meu desejo é fortalecer ainda mais a importância de utilizar esse conhecimento para a reafirmação étnica, cultural e social do meu Povo Tremembé. Acredito que através do trabalho dentro das escolas indígenas com crianças e jovens preservamos esse conhecimento e fortalecemos nossa identidade na luta pela demarcação de nossa terra”.
Vestir corpos, reflorestar mentes

As novas gerações Tremembé seguem mantendo a prática de produzir arte em comunhão com a natureza. O estilista Rodrigo Tremembé, natural da Aldeia Córrego João Pereira, também em Itarema, cria suas coleções a partir de materiais naturais e duráveis produzidos localmente e em pequena escala.
Ao aplicar grafismos e materiais já utilizados na cultura e vestimentas tremembés a um design contemporâneo, o artista ajuda a construir uma ponte entre tradição e reinvenção, sempre com o propósito de “vestir corpos e reflorestar mentes”.
“Em nosso território, temos um documento chamado PGTA (Plano de Gestão Territorial e Ambiental), que traz normas e preceitos a serem seguidos por toda a aldeia. Esse documento foi fruto de assembleias feitas pelas lideranças junto ao aldeamento. Dentre as formas de organizações territoriais está o desenvolvimento sustentável. Sendo assim, somos culturalmente ensinados a respeitar a natureza. Isso está presente em minhas produções. Prezo por materiais e mão de obra local com o intuito de valorizar e fortalecer nossa bioeconomia”, explica Rodrigo, que expôs seu trabalho “Despertar à Terra” no 76º Salão de Abril, mesma edição em que Navegante apresentou sua elogiada obra “Bilreiros”.
Para alumiar o mundo

Já na edição de 2025 da Biennale Révélations, em Paris, Rodrigo expôs suas vestimentas e a obra “Pompê Tremembé”. Nesta edição, havia mais uma representante do Ceará, a designer Armênia Rocha. Desde o início de sua carreira, a artesã emprega materiais de origem orgânica e não prejudiciais à natureza em suas obras.
Nelas, um coqueiro pode fornecer matéria-prima para lustres, arandelas e abajures originais, ecologicamente corretos e que trazem a memória cultural cearense para dentro dos espaços contemporâneos.
Na arte cearense, a sustentabilidade vai além do discurso ambiental: é uma prática de respeito e reciprocidade para com a natureza. Trajetórias como as de Luiz, David, Navegante, Rodrigo e Armênia mostram que criar também significa cuidar do território, preservar as memórias e educar as próximas gerações.
Sobre o projeto
O “Cultura em Movimento: Ceará que cria, celebra e contagia” é um projeto do Grupo de Comunicação O POVO com apoio do Governo do Ceará. A proposta é fortalecer o ecossistema cultural e estimular sentimento de pertença do povo cearense. Nesta edição, o projeto passeará, de forma multifacetada, por produções culturais em quatro linguagens artísticas, a saber: audiovisual, arte popular, artes plásticas e música.
Serviço
Cumbe Arts – Luiz Antônio Gonzaga e David dos Santos
https://www.instagram.com/cumbearts
Navegante Tremembé
https://www.instagram.com/navegante.tremembe
Tremembé – Rodrigo Tremembé
https://www.instagram.com/tremembe_
Alumiar Design – Armênia Rocha
https://www.alumiardesign.com.br