Audiovisual cearense além da Capital: a força do cinema caririense
Produções feitas no interior do Ceará mobilizam comunidades, geram oportunidades e chamam atenção do mercado internacional
O desabrochar do cinema caririense é inspirado pela pungência cultural da região. Enquanto profissionais independentes levam a herança do Cariri adiante, o público celebra a chance de se ver representado nas telas. É o caso da produtora Fulô Filmes, criada em 2018 pelos cineastas Cheyenne Alencar, Jaildo Oliveira e Alisson Flor. Com sede em Potengi, o grupo já produziu mais de 10 filmes, entre curtas, médias, longas-metragens e documentários.
“Trabalhamos com o imaginário caririense e transformamos em filme. Desde criança, sempre gostei muito de terror e fui apaixonada por suspense, então nossos filmes também trazem essa pitada. Fazemos produções baseadas em contos, lendas, tudo muito regional. Temos uma riqueza muito grande, e o audiovisual está cada vez mais presente para contar essas histórias e levar isso a lugares que ninguém nunca imaginou”, descreve Cheyenne.
A tradição oral regional, recheada de causos, lendas e histórias passadas de geração em geração, é o que inspira o trabalho da produtora. Atualmente, a equipe da Fulô Filmes conta com mais de 20 colaboradores voluntários, que atuam não só no Cariri, mas em Fortaleza e outros estados. Além disso, a cada produção são abertas seleções para que a população local possa integrar a equipe, seja como atores, figurantes ou na produção.
“Sempre produzimos com a ajuda de amigos e família. No momento, estamos apostando nas leis de incentivos para conseguir produzir os próximos trabalhos, pois atualmente não conseguimos arcar”, relata Cheyenne. No momento, a Fulô Filmes está desenvolvendo a obra Nazara, realizada por meio da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022).
Para o ator Bruno Tavares, a conexão criada entre as cidades e os profissionais em busca de expandir a pluralidade da região para além das fronteiras territoriais é o principal combustível para o audiovisual caririense. “Muitos artistas saiam do Cariri para buscar oportunidades, mas hoje quase não é necessário. A região é um celeiro cultural muito vasto, e isso dá pano para manga para que sejam desenvolvidas produções grandiosas”, garante.
A atriz Frân Calíxto, do Crato, também vê com bons olhos o cenário atual do cinema caririense. A artista reitera a constante ebulição cultural da região, a qualidade e a perseverança dos profissionais e assegura que existem oportunidades de capacitação. “Tem onde estudar, onde fazer curso, oficinas. Antigamente, a gente tinha aquela ilusão de que só existia o eixo Rio de Janeiro e São Paulo. Mas aqui no Cariri tem muita gente boa, talentosa. As pessoas estão cada vez mais aprendendo”, aponta.
O cinema como ferramenta de denúncia
Outro caso de destaque é o do filme “Os Olhos de Alice”, realizado na cidade de Aurora, em 2018. O curta-metragem, criado e dirigido por Lamarck Dias, retrata o drama de Alice, uma adolescente abusada e oferecida sexualmente a outros homens pelo próprio pai.
A obra chamou a atenção do fotógrafo e cineasta carioca Wallace Moura, radicado nos Estados Unidos, e deve inspirar um longa americano, baseado na história caririense. Até o momento, já foram produzidos o roteiro adaptado e a seleção de elenco, processos acompanhados de perto por Lamarck. O longa ainda não tem data de lançamento.
Apesar de ser uma obra de ficção, a história reflete uma realidade ainda presente na sociedade, como destaca o cineasta. “Eu tomei um choque quando recebi o contato do Wallace. Ele disse que estava acompanhando o filme desde os primeiros processos, porque também é uma realidade muito presente nos Estados Unidos”, conta Lamarck.
“Acredito que a arte tem esse poder de provocar, trazer alguma reflexão. Tiveram meninas que, depois que viram o filme na escola, denunciaram seus abusadores. Isso não tem preço. A recepção das pessoas e os convites para exibições foram muito satisfatórios, além das oportunidades que conseguimos gerar para atores e não-atores do município. Foi um filme muito buscado, até hoje as pessoas me perguntam”, relata.
O filme teve a presença dos atores nacionais Marcos Wainberg (“Zorra Total”) e Miguel Nader (“As Aventuras de Poliana” e “Orgulho e Paixão”). O curta foi exibido em eventos, escolas da região e no Orient Cinemas, no Cariri Shopping, em Juazeiro do Norte.
Produções audiovisuais caririenses que valem a pena conferir
Prepare a pipoca
Filme “Os Olhos de Alice”, de Lamarck Dias
Sobre a obra: conta a história de Alice, uma adolescente abusada e oferecida sexualmente a outros homens pelo próprio pai.
Onde assistir: youtube.com/@lamarckpromocoes3798
Filme “Ôxe”, da Fulô Filmes
Sobre a obra: encontro de histórias de vários personagens, dentro da romaria de Juazeiro, desde o personagem malandro, ao pagador de promessas.
Onde assistir: youtube.com/@fulofilmes194
Filme “As Desventuras de Ana”, da Fulô Filmes
Sobre a obra: uma princesa foge do castelo para escapar das maldades de um rei cruel, mas precisa enfrentar os próprios medos e superar desafios para salvar a mãe.
Onde assistir: youtube.com/@fulofilmes194
Filme “O Valor do Tesouro Perdido”, da Fulô Filmes
Sobre a obra: o casal Manuel e Toinha e seus quatro filhos vivem no sertão nordestino, na década de 1920. Enquanto Manuel vê sua vida ameaçada devido a uma dívida com um rico fazendeiro da região, o pior acontece.
Onde assistir: exibição na TV aberta, por meio do programa da “TV Padre Cícero”, em Juazeiro do Norte.
Para ficar de olho
Filme “Uma Voz Chamada Francisca”, de Lamarck Dias
Sobre a obra: conta a história de Mártir Francisca, santa popular de Aurora que foi vítima de feminicídio nos anos 50.
Lançamento: 2025
Filme “Quimami”, da Fulô Filmes
Sobre a obra: fala sobre a lenda da cidade de Milagres e construção da igreja de Nossa Senhora dos Milagres.
Lançamento: 2025
Filme “Nazara”, da Fulô Filmes
Sobre a obra: o enredo gira em torno de Nazara, mulher negra que habita o imaginário e a tradição oral da Comunidade Quilombola do Carcará, em Potengi. Nazara foge da casa do Barão de Aquiraz e enfrenta a fúria do Capitão do Mato.
Lançamento: 2025
Filme “Pétalas de Rosas”, do Coletivo Cultural Água de Chocalho
Sobre a obra: contar a história de Olivia, que vive um ciclo de relacionamentos abusivos, enquanto traz à tona a reflexão sobre esse cenário de abuso e violência psicológica. A obra foi selecionada para o Festival de Cinema de Carpina, de Pernambuco.
Lançamento: em breve. A obra estará disponível na plataforma gratuita Montecine.