Jards Anet da Silva, ou Jards Macalé, ou Macao, ou, ou, ou. Cada nome ou epíteto deste artista sem par na música brasileira poderia contar uma história diferente, tamanha a abrangência de sua obra, de suas parcerias, de suas andanças por todos os setores da arte. Muitos adjetivos também se repetem quando falamos de Jards: moderno, irreverente, inquieto, sedutor. O fato é que ele é um dos artistas mais genuínos que a música brasileira já produziu.
Não foi à toa que o grande sambista Moreira da Silva lhe passou o chapéu, em sinal de respeito, ao ver no músico um herdeiro de seu humor e de seus breques. Não foi por acaso, também, que as novas gerações procuram nele um exemplo de independência e originalidade, duas de suas maiores virtudes como artista.
Quando, em 1969, Jards Macalé subiu ao palco do Maracanãzinho, no IV Festival Internacional da Canção, para cantar “Gotham City”, subvertendo a ordem musical, cênica e comportamental no seu limite, ele fez um happening, tão em voga na época, sem precedentes. Misturou cinema, história em quadrinhos, teatro, música, artes plásticas e poesia. O que muita gente não compreendeu é que Macalé estava sendo mais Macalé que
nunca.
Aluno do maestro Guerra-Peixe, Jards substituiu o violonista Roberto Nascimento no mítico show “Opinião”, em 1965. Em pouco tempo se tornou arranjador e músico dos baianos Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia. Pouco tempo depois, já em seu exílio londrino, Caetano solicitou sua presença para produzir fazer a direção musical arranjar e tocar em seu disco “Transa”, um marco de sua carreira. Antes disso, em 1969, Macalé já tinha lançado seu primeiro compacto duplo “Só Morto”, um disco impactante com canções ousadas como a música-título, além de “Sem essa”, “Soluços” e “O crime”.
Mas a vida de músico profissional não era suficiente para seus múltiplos talentos, para sua inquietude artística. Por conta disso sempre teve um canal aberto para as diferentes formas de arte. Do amigo Helio Oiticica ganhou o penetrável “Macaléia”; Nelson Pereira dos Santos o transformou em ator em “Amuleto de Ogum”, e Jards ainda fez a esmerada trilha sonora do filme; já o poeta Waly Salomão tornou-se seu grande parceiro em obras-primas como “Vapor barato”, “Mal secreto”, “Anjo Exterminado”. Outros parceiros como Capinam (“Movimento dos barcos”), Torquato Neto (“Let’s play that”) e Duda Machado (“Hotel das estrelas”) reforçam a versatilidade do compositor.
Macao realizou, em 1973, o show “Banquete dos mendigos”, ao lado de artistas como Raul Seixas, Paulinho da Viola, Chico Buarque e outros. Aproveitando-se das comemorações do 25º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ele reuniu seus pares para também protestar contra a ditadura militar. Entre cada canção, um dos artigos da carta era lido. O show virou disco, que foi censurado e só saiu anos mais tarde em LP, sem nunca ter sido relançado. Só em 2015, o selo Discobertas lançou no mercado, uma caixa com três CDs contendo a obra completa.
A obra de Jards Macalé, além das suas originalíssimas interpretações, ganhou cores nas vozes de uma infinidade de artistas como Nara Leão, Elizeth Cardoso, Maria Bethânia, Adriana Calcanhotto, Frejat, Luiz Melodia e outros.
Além do relançamento em vinil, em 2012, de seu primeiro álbum “Jards Macalé”, de 1972, em 2016 foi lançado uma caixa com quatro de seus primeiros discos pelo selo Discobertas - o já citado “Jards Macalé” (1972) e “Aprender a nadar” (1974), além de duas compilações de fonogramas raros e inéditos. Em 2015, o artista também gravou seu primeiro DVD ao vivo, dirigido pela cineasta Rejane Zilles, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre. A obra teve a participação de Luiz Melodia, Zeca Baleiro, entre outros. O registro apresenta Macalé com sua vigorosa banda, formada por seis jovens músicos: Anderson Ferraz (trompete), Thiago Queiroz (sax e flautas), Victor Gottardi (guitarra), Ricardo Rito (teclados), Thomas Harres (bateria e percussão) e Pedro Dantas (contrabaixo).
Jards também teve sua vida e obra retratada nos filmes “Jards Macalé - Um morcego na porta principal”, de João Pimentel e Marco Abujamra, de 2008, e “Jards”, de Eryk Rocha, de 2012, ambos premiados no Festival do Rio, além do curta “Tira os óculos e recolhe o homem”, de André Sampaio.
Recentemente, Macalé atuou em “Big jato”, de Claudio Assis, e compôs também a música que encerra o filme, em parceria com o DJ Dolores.