Compreender para incluir

Um dos fundamentos da educação é formar pessoas que se respeitem, levando em consideração suas individualidades, diferenças e culturas. É preciso ter em mente, a todo instante, que a escola é um espaço heterogêneo em que os indivíduos e as diferenças se encontram – e, sim, precisam conviver. Quando surge a possibilidade de lidar com o diferente, eis que o desafio se impõe e a inclusão precisa ser promovida de forma harmônica, em que todos os atores envolvidos compreendam o processo e percebam a importância de apoiar o aluno com deficiência a eliminar barreiras.

Com a vigência da Lei 13.146/15, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), deu-se base jurídica para a afirmação dos direitos fundamentais das pessoas com deficiência. Tempo de celebrar, mas momento também de ratificar à sociedade que vivemos – ou deveríamos viver – em condições de igualdade, e isso significa ter acesso a todos os direitos que remetem a uma vida digna.

Não é tão somente desrespeito ignorar a legislação. É crime desobedecer aos dispositivos jurídicos e legais. Neste primeiro caderno do Especial Educação Inclusiva, traçamos um significativo panorama de todo o arcabouço legal referente à inclusão. Conversamos com profissionais que lidam diretamente com o assunto e contamos histórias de gente que viveu e vive a luta pela inclusão. Concluímos que é preciso, sobretudo, compreender para incluir.

Boa leitura!

 

DIREITOS GARANTIDOS

O que diz a legislação?

Revolucionária por reunir várias premissas legais em apenas um instrumento, a Lei Brasileira de Inclusão reafirma o acesso e a manutenção de crianças com deficiência nas escolas

Isabel Costa / isabelcosta@opovo.com.br

Desde 6 de julho de 2015, quando a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) foi sancionada, as pessoas com deficiência passaram a ter um instrumento unificado para assegurar e respaldar direitos básicos que, até pouco tempo atrás, vinham sendo negados. São premissas legais que garantem o acesso a bens da cultura, equipamentos de esporte, transporte público, sistema de saúde e ao mais importante mecanismo de inclusão e inserção social: a educação.

Muito do que está garantido por esta legislação já havia sido afirmado, descrito e pontuado em instrumentos legais anteriores – como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e as normas técnicas do Ministério da Educação (MEC). Foi necessário reunir todos os aspectos em um único instrumento, entretanto, para assegurar que direitos fundamentais começassem a ser respeitados. A inclusão de pessoas com deficiência no sistema de educação – público ou particular – avançou em vários quesitos, mas ainda há muito por fazer. Além de não poderem negar vagas, as instituições são impedidas de cobrar as controversas “taxas extras” para as famílias de crianças com deficiência.

“A vigência da LBI trouxe uma série de avanços em relação à educação inclusiva, fazendo com que não apenas o acesso ao sistema de ensino, mas a permanência, a participação e a aprendizagem sejam ofertadas às pessoas com deficiência. Isso significa dizer que há, hoje em dia, especialmente após a vigência da LBI, meios para que a aprendizagem das crianças e adolescentes seja efetiva. É objetivo do Estado Brasileiro, neste sentido, promover o máximo de desenvolvimento possível dos talentos e habilidades das pessoas”, avalia Beatriz Xavier, advogada, professora e coordenadora do Projeto Árvore-Ser – Grupo de Estudos Aplicados em Direito das Pessoas com Deficiência, da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Mas não é apenas o acesso ao sistema de ensino que é garantido pela LBI. As escolas, explica Beatriz, devem ofertar ferramentas para que crianças e adolescentes com deficiência tenham garantidos um sistema educacional inclusivo em todos os níveis de ensino. Fazem parte desse pacote as salas com recursos multifuncionais, os materiais pedagógicos adequados, os projetos pedagógicos individualizados, a adaptação curricular, as tecnologias assistivas e as condições de mobilidade. É obrigação de todas as escolas, públicas ou particulares, ofertar estes equipamentos.

Promotora de Justiça de Defesa da Educação, Elizabeth Oliveira afirma que o povo brasileiro tem “muita necessidade” de legislações específicas. Antes da sanção da LBI, já existiam normas técnicas – principalmente publicizadas pelo MEC – que apontavam vários dos direitos reunidos na nova lei. “Já existia um arcabouço grande, mas a LBI foi boa por juntar tudo num instrumento só”, ressalta. Hoje no Ceará, completa a promotora, o maior entrave está em algumas instituições particulares que insistem em não reconhecer as legislações – “como se não funcionasse para elas”. “Não existe diferença entre escola pública e escola particular no que diz respeito à legislação. Em matéria de educação inclusiva, o que está posto nos instrumentos legais deve ser obedecido pelas duas”, afirma Elizabeth Oliveira.

 

  • Quando a matrícula de uma criança com deficiência é recusada na escola, não há o que fazer.
    Mito: A família pode acionar instituições como o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Conselho Estadual de Educação.
  • As instituições particulares podem cobrar taxas extras ao aceitar crianças com deficiência.
    Mito: A LBI garante que nenhuma tarifa excedente deve ser cobrada das famílias.
  • Há um limite de crianças com deficiência por sala de aula.
    Mito: Houve uma resolução, de 2012, que permitia a limitação de crianças com deficiência por sala de aula. Mas a indicação foi revista pelo Conselho Estadual de Educação, na Resolução 456/2016.
  • As legislações para instituições públicas e particulares são diferentes.
    Mito: A LBI informa que os dois sistemas são obrigados a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem.

Portal Diversa

O site reúne fóruns nos quais pais, estudantes e professores podem solucionar dúvidas e contar experiências sobre educação inclusiva. A plataforma foi desenvolvida pelo Instituto Rodrigo Mendes, de São Paulo, e reúne mais de dez estudos de casos sobre a inclusão de crianças e jovens na educação no Brasil e em outros países do mundo, além de manter acervo digital com artigos de especialistas.

Site: http://diversa.org.br/

Entrevista – Hugo Porto

Incluir ainda é um desafio

A edificação de um sistema educacional inclusivo é um dos passos mais importantes para garantir que as pessoas com deficiência sejam inseridas no mercado de trabalho e nos contextos sociais em um futuro próximo

A edificação de um sistema educacional inclusivo é um dos passos mais importantes para garantir que as pessoas com deficiência sejam inseridas no mercado de trabalho e nos contextos sociais em um futuro próximo. Em conversa com O POVO, o promotor de Justiça Hugo Porto pontua que os avanços legais da última década fizeram a acessibilidade caminhar a passos largos, mas ainda há muito para avançar. Além da estrutura física que permita o transitar de estudantes com diferentes limitações, é necessário ter na escola um ambiente no qual todos os agentes colaborem para um real processo de inclusão. Coordenador do Centro de Apoio da Cidadania do Ministério Público, ele atua como incentivador e fiscalizador das ações de inclusão no Ceará.

Isabel Costa / isabelcosta@opovo.com.br

 

O POVO – Qual foi o maior ganho, do ponto de vista legal, obtido na última década?
Hugo Porto – Com a entrada em vigência da Lei Brasileira da Inclusão, a LBI, no começo deste ano, veio consolidar um sistema legislativo que envolve outras normas nacionais. Desde a década de 1990, temos uma evolução positiva nesse sentido. A LBI, que começou com o nome de Estatuto da Pessoa com Deficiência e mudou, veio a concretizar alguns ditames e algumas passagens, que precisavam ser convergidas e atualizadas de outras legislações existentes.

 

O POVO – Em quais aspectos?
Hugo Porto – A LBI vem observar os ditames da atenção aos direitos da pessoa com deficiência. No passado recente, a conceituação da pessoa com deficiência ficava fragmentada. Algumas legislações elencavam características; algumas inovavam com pessoas e segmentos diferentes por municípios. Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Isso impede que alguma legislação casuística venha a colocar nesse bojo uma pessoa que tem uma ou mais características, mas não tenha dificuldade de conviver. É uma preocupação em voga. Quando começa a se colocar um número muito grande de características, acaba se retirando direitos.

 

O POVO – O senhor poderia contar uma situação prática?
Hugo Porto – Algumas pessoas podem usufruir de vagas de estacionamento. Temos as vagas destinadas para pessoas com deficiência e temos as vagas destinadas aos idosos. Se você começa a caracterizar, em algum momento, a pessoa com má-formação de um dedo, ou de algo não impeditivo, dentro desse grupo, você coloca um número muito significativo de pessoas concorrendo com alguém que utiliza cadeira de rodas. O cadeirante chegaria lá e estaria a vaga ocupada por uma pessoa que não tem um impedimento real.

 

O POVO – Além do sentido de acessibilidade física e locomoção, a LBI trouxe outros avanços.
Hugo Porto – Principalmente quando coloca que o gestor público que não observa as exigências de acessibilidade comete um ato de improbidade administrativa. O gestor público tem que estar ciente que foi expressado, ainda que já tivesse essa compreensão no sistema normativo brasileiro antes da LBI, que essa exigência inobservada incorre em ato de improbidade administrativa. É um dos princípios da administração pública: acessibilidade. E há também a questão da fiscalização de obras e alvarás. Ficou expressada que todas as obras e todos os projetos tenham observados toda a legislação da acessibilidade e as normas técnicas. Isso para reformas em prédios públicos, intervenções em prédios multifamiliares, que são aqueles com muitos apartamentos. Esses locais devem observar isso. Os hotéis têm obrigatoriedade de uma percentagem de quartos acessíveis. Para os veículos também, 10% da frota das locadoras têm que ser acessíveis. E a acessibilidade, de forma geral, nos transportes coletivos. Já vinha essa previsão nos decretos anteriores, mas agora está bem especificado.

 

O POVO – Também para as instituições de educação?
Hugo Porto – Com a LBI, houve uma reformulação. Um dos avanços é o impedimento de cobrar taxas extras para crianças com deficiência e impedir as vedações de matrículas de pessoas com deficiência em escolas. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) diz que a criança tem que ser matriculada no ensino regular. E a LBI veio para reafirmar que não se pode cobrar taxas ou negar a matrícula para um aluno. Isso é crime.

 

O POVO – Mas ainda são comuns relatos de casos de pais e mães com matrículas negadas. Em especial, na rede particular. Nessas situações, falando do cenário local, como proceder?
Hugo Porto – O Ministério Público é uma das instituições de fiscalização para essa finalidade. Podendo ser imediatamente acionado. E comunicar também ao Conselho Estadual de Educação.

 

O POVO – Mas as escolas podem sofrer alguma sanção real?
Hugo Porto – Escolas que violem a norma podem vir a ser descredenciadas do sistema. É importante que o Conselho seja avisado, pois ele também é um órgão de fiscalização.

 

O POVO – E o que deve ser observado dentro da escola?
Hugo Porto – A acessibilidade tem duas vertentes de raiz. Temos a acessibilidade física e arquitetônica. A escola tem que ser acessível seguindo as normas técnicas em todas as unidades físicas. Uma pessoa deve poder acessar tudo. Todos os espaços. Quadra, banheiro, biblioteca. É uma acessibilidade material. E tem que ter a acessibilidade imaterial ou comunicacional. Aquele que precisar de um apoio escolar – seja o apoio escolar para fins de levar ao banheiro um aluno que tem tetraplegia, seja para alimentação, seja para fins de cuidado de higiene. Mas também o professor, o agente pedagógico, tem que se comunicar conforme as características e peculiaridades do aluno com deficiência. Se for surdo, é libras, que é nossa segunda língua. Ou se houver a necessidade de acompanhamento de fonoaudiólogo, de terapeuta ocupacional. E que seja parte de um projeto pedagógico. Quando você inicia uma avaliação de um aluno, o pedagogo e os demais agentes devem fazer um projeto para ele ter o máximo de aproveitamento na escola. Além da acessibilidade comunicacional, que tem a ver com a captação de conhecimento. E há também a acessibilidade digital. As escolas devem prever ferramentas e que seus equipamentos sejam condizentes para o aluno usufruir e tirar o máximo de conhecimento. Se tiver um cego, que ele tenha leitor de tela para o computador e que ele tenha a comunicação física em braile, que ele possa ler, por exemplo.

 

O POVO – E depois da escola, essas pessoas vão seguir para a universidade e para o mercado de trabalho…
Hugo Porto – Sim. E vemos a também a questão dos processos seletivos. Aquele que pleiteia um vestibular, uma posição na universidade, aquele que pleiteia um cargo público por meio de concurso. Qualquer seleção deve ser condizente com as normas da LBI e com as demais leis que normatizam essa questão. Se a pessoa for cega e precisar de um ledor, por exemplo, ele tem que ser qualificado.

 

O POVO – E ainda existem provas e concursos que não obedecem à legislação?
Hugo Porto – S m. A realização dos exames da forma apropriada não é o que ocorre em grande parte das vezes. Tenho uma prova de matemática em que tem uma equação de terceiro grau, um ledor eficiente vai dizer: ‘estamos começando a leitura’. Se for uma pessoa sem qualificação, vai dizer só o que está vendo. Os sinais, os símbolos. Ela não conseguiria transmitir. Como não conhece que ali era uma equação de terceiro grau – e, sim, um amontoado de letras e números – para o aluno é um prejuízo, pois gastaria mais tempo e teria mais dificuldade. Temos que oferecer as condições apropriadas: tempo extra, sala acessível, prova materialmente adaptada.

 

O POVO – Quais perspectivas o senhor enxerga para o futuro?
Hugo Porto – Digo com a certeza absoluta: o futuro é promissor. Temos percebido que a LBI e a acessibilidade estão na agenda. Está próxima das entidades públicas e privadas. A questão maior é das barreiras atitudinais. Grande parte dos gestores diz não no primeiro momento por desconhecer soluções simples que podem ser implementadas para resolver grandes problemas. As universidades, as escolas, as instituições públicas… Cada uma, hoje, está sendo tocada. A LBI entra em todas as casas e instituições. O que eu percebo é que vamos ter uma sociedade mais acessível. Nós estamos evoluindo com passos mais largos, mas ainda que temos muito o que fazer.

 

O POVO – E essa mudança nasce em quais instâncias?
Hugo Porto – Há uma mudança de mentalidade. Creio que a mídia e os meios de comunicação são mais sensíveis. Sempre procurando divulgar positivamente. Uma nova geração está sendo construída nas escolas, a partir do momento em que os alunos têm os direitos. Com o aluno que tem alguma deficiência, ele tem o direito de estar com os demais colegas. Todos os alunos são iguais. E os que não têm deficiências, têm o direito de conviver na diversidade. São dois direitos. Do aluno com deficiência e do aluno sem. Esses alunos que estão tendo essa oportunidade de conviver com a diversidade vão ser os próximos gestores. E vão conhecer na escola que a vida é plural. Ela tem características diferentes. E isso, sim, vai formar uma sociedade mais acessível, mais condizente. A acessibilidade é para todos. Quando tem uma calçada não acessível, não está negando o direito apenas ao cadeirante, mas também para a mãe que empurra um carro com bebê, a uma pessoa com uma mala gigante ou a um idoso. Acessibilidade é direito de todos. Temos que colocar isso na agenda do dia.

 

O POVO – Estamos caminhando para ter uma nova geração a partir da escola?
Hugo Porto – Na escola, estamos formando alunos desde o começo da história pedagógica. Conhecendo com naturalidade, convivendo e sabendo as diversidades da vida. Seja pela característica da vida, raça, estatura, religião. Estamos dizendo que, no futuro, ao ser um empresário, um professor ou um gestor público, essa pessoa aprendeu durante a formação e o desenvolvimento que a diversidade é natural.  Quando ele for selecionar um funcionário no futuro e que exija as características, ele não vai compreender de forma particularizada que uma pessoa com deficiência não concorre. Um cadeirante que esteja sendo selecionado para uma vaga de analista de sistema, pouco importa. A cadeira de rodas não faz nenhuma diferença na atividade. Ele é capaz e ele aprendeu que isso é natural. Incluir e integrar a pessoa com deficiência é algo simples. Temos que afastar esse desconhecimento atitudinal.

 

Atendimento Educacional Especializado

O ensino em todas as possibilidades

Com métodos e atendimento individualizado, professores garantem a permanência de alunos com deficiência na escola. O acompanhamento ocorre no contraturno e é garantido por lei desde 2011

Rômulo Costa / romulocosta@opovo.com.br

Todos os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação têm o direito de ter acompanhamento específico na escola em que estudam. O atendimento deve ser realizado por profissionais capacitados para reconhecer dificuldades e encontrar estratégias de ensino que auxiliem o desenvolvimento do estudante. É o chamado Atendimento Educacional Especializado (AEE), que é garantido por lei desde 2011.

Algumas das atribuições dos professores desse serviço são acompanhar o desenvolvimento do aluno, orientar sobre recursos que auxiliem o aprendizado e fazer a mediação entre eles e os demais professores. Os atendimentos ocorrem no contraturno das aulas regulares, em ambientes que contêm os instrumentos especializados para o trabalho com o aluno nesse perfil. Esses locais recebem o nome de Sala de Recursos Multifuncionais (SRMs).

Por lei, esses espaços devem ser dotados de “equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos para a oferta do atendimento educacional especializado”. É lá onde os alunos têm atividades dirigidas dependendo da sua necessidade, individualmente ou em pequenos grupos. Com tais recursos os professores podem ensinar braille (sistema tátil de leitura e escrita), orientar sobre mobilidade e promover melhorias no currículo que facilitem o aprendizado, entre outros serviços.

Para a psicopedagoga e neuropsicóloga Rosane Maneira, o AEE é uma forma de particularizar o ensino. Esse processo, segundo ela, contribui para a inclusão do aluno, o que garante “maior receptividade ao aprendizado”. “O olhar individualizado é tão necessário para o desenvolvimento emocional saudável da criança, como para o encorajamento e superação de suas dificuldades. É com ele que se chega à autonomia”, defende.

A ponte entre os alunos atendidos e os professores do ensino regular, feita pelos educadores do AEE, também é destacada pela psicopedagoga. É a partir do contato com esses profissionais que os professores definem estratégias e reorientam rumos em sala de aula.

Prática

A professora de português Íris Fernandes trabalha na Escola Estadual Paulo Benevides, em Messejana, e diz que esse apoio do AEE não beneficia apenas os alunos. Ela diz que viu as aulas melhorarem após a orientação dos colegas sobre as formas de proceder com os estudantes com esse perfil. “Eles sugerem exercícios e metodologias. Já aconteceu de eu receber dicas para trabalhar determinado livro, por exemplo”, comenta.

A situação é bem diferente da vivenciada, em outros tempos, quando ela se via com o desafio de trazer conhecimento aos alunos sem esse acompanhamento. Por vezes, surgia a insegurança da melhor maneira como proceder. Isso mudou. “A chegada desse núcleo ajudou muito a gente, até para identificar o que o aluno precisa. A gente tem uma boa convivência com eles. O diálogo acontece”, divide.

Essa conversa permitiu aproximação com os alunos. Isso teve reflexo até no desenvolvimento deles em sala de aula. A coordenadora pedagógica Sandra Helena Almeida concorda com a professora. Segundo ela, a diferença maior do atendimento está na formação: “O conhecimento técnico faz toda a diferença”.

 

  • Atendimento Educacional Especializado (AEE)

    Serviço que complementa a escolarização de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Deve ser oferecido para alunos desse perfil que estão matriculados em classes comuns do ensino regular.

  • Sala de Recursos Multifuncionais

    É o local onde os profissionais do AEE atuam, organizando atividades e recursos pedagógicos aos alunos. A partir desse contato, os profissionais criam estratégias para facilitar o ensino para os alunos, por meio de mediação com os professores da sala comum. O atendimento deve ocorrer individualmente ou em pequenos grupos no turno contrário ao da sala de aula.

Atribuições do AEE

  1. Ensino do Braille

Utilização de métodos para o estudante usar o sistema tátil de leitura e escrita.

  1. Autonomia na escola

Incentivo de atividades que garantam o uso de todos os espaços da escola – social, cultural, recreativo ou esportivo.

  1. Recursos ópticos e não ópticos

Ensino do uso de recursos que permitem a leitura e a escrita de pessoas com baixa visão. Podem ser usadas desde lupas manuais (ópticos) até cadernos de pauta ampliada (não ópticos).

  1. Orientação e mobilidade

Uso de técnicas para orientar e promover a mobilidade dos estudantes no ambiente escolar com autonomia e segurança.

  1. Ensino da libras

Aulas que permitam conhecimentos sobre a gramática e os aspectos linguísticos da Língua Brasileira de Sinais (libras)

  1. Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA)

Atividades que atendam à necessidade de fala, leitura e escrita dos estudantes. Exemplos de CAA são pranchas alfabéticas, vocalizadores e o uso do computador como ferramenta de comunicação e voz.

  1. Melhorias no currículo

Organização de práticas que aprofundem os conhecimentos em diversas áreas. O professor pode propor projetos na escola que facilitem o aprendizado.

  1. Ensino da soroban

Os professores ensinam como usar a calculadora mecânica manual (soroban) em atividades para o desenvolvimento do raciocínio matemático

  1. Informática acessível

Garante a autonomia dos alunos no uso da informática. Programas como leitores de tela, teclados alternativos e outros softwares permitem o uso do computador por pessoas com deficiência.

  1. Ensino da língua portuguesa

Promovem atividades que ensinem a língua portuguesa escrita para alunos que se comunicam por libras.

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)

Dedicação

A lição de unir diferenças

Por três vezes, a professora Fernanda Cavalieri encontrou os caminhos da inclusão. Como educadora, mãe e presidente de associação, ela busca maneiras de unir todos pela igualdade

Rômulo Costa / romulocosta@opovo.com.br

A ideia de que a escola é um lugar para reunir as diferenças e não separá-las sempre esteve na vida de Fernanda Cavalieri, 35 anos. O assunto começou a se tornar parte do cotidiano da pedagoga ainda na faculdade, quando ela resolveu pesquisar sobre a educação inclusiva. Tempos depois, estava orientando alunos com deficiência em uma escola pública do Rio de Janeiro, onde morava. Fernanda hoje reside em Fortaleza e é professora da Sala de Recursos Multifuncionais em uma escola municipal do bairro Papicu.

Mas não é só no ambiente escolar que o tema da inclusão a encontra. Depois de nove anos trabalhando com crianças com deficiência e transtornos globais de desenvolvimento, ela se tornou mãe de gêmeos. Os dois diagnosticados com autismo. Foi quando Fernanda viu os conhecimentos adquiridos na rotina como professora se replicarem em casa. “Minha experiência como educadora facilitou demais. Graças a isso, eu percebi as características do autismo nos meus filhos”, demarca.

Atenta, ela percebeu que Daniel e Gustavo, já a partir de um ano de idade, tinham dificuldades de interagir com outras crianças e não atendiam a comandos físicos. “Eu falava ‘vem aqui, me dá um abraço’ e eles não respondiam. E eu tinha certeza de que não era um problema auditivo. Por isso, desconfiei”, relembra.

Ela procurou ajuda médica. O tratamento, porém, começou antes mesmo do diagnóstico, com estimulação precoce e terapia ocupacional. Depois, veio a confirmação. “Se eu não tivesse a experiência como educadora, talvez o diagnóstico fosse mais demorado”, arrisca.

Luta por inclusão


Os caminhos de Fernanda se cruzaram com a inclusão por três vezes. A primeira foi quando ela decidiu ser educadora e trabalhar com crianças com deficiência. A segunda, quando se viu mãe de filhos autistas. A terceira veio como consequência. Depois de ver que muitas mães eram obrigadas a ver os direitos dos filhos negados, surgiu a vontade de montar uma associação para reunir força e cobrar providências. Hoje, Fernanda atua como presidente da Associação Fortaleza Azul (FAZ), que presta apoio a 180 famílias na busca por inclusão dos filhos.

“Nós tínhamos um grupo no WhatsApp e sempre aparecia alguém relatando demandas de Justiça. Sempre alguém tinha que ir para a Defensoria Pública cobrar pelos direitos. Então, a gente teve a ideia de montar a associação para ganhar voz”. Começou a luta. Em 2014, quando a associação foi fundada, eram apenas oito famílias. Hoje, cresceram.

O papel da FAZ é maior do que cobrar direitos. A associação também tem o desejo de ampliar a informação sobre o transtorno e apoiar as famílias. “Existem mães que ainda não conhecem muito sobre o autismo. Uma delas chegou para mim uma vez para saber se o filho podia morrer de autismo. É na conversa que a gente passa essas informações”.

Com dois anos de atuação, ainda é comum ouvir das famílias relatos de escolas que insistem em não incluir. Com a ajuda da FAZ, as mães entendem que é direito dos filhos que eles sejam matriculados em salas de aula regular e possam ter acesso ao mesmo ensino destinado aos demais, com atenção especializada e readequação da rotina.

Mas o acompanhamento não termina na matrícula. A inclusão é algo maior. “Incluir é ter um olhar individualizado para os alunos. A escola precisa ver o nível de desenvolvimento da criança, respeitar seu ritmo”, demarca Fernanda.

A lição ela já aprendeu como educadora e confirmou com a chegada dos filhos. “Muita coisa sobre o autismo eu aprendi vivendo e conhecendo outras crianças. O que é preciso entender é que cada criança tem suas características. Nenhuma é igual”, analisa.

Vencendo preconceitos

A vida de Fernanda como mãe e educadora aponta que o preconceito com pessoas autistas ainda existe. Mas tem diminuído. Um dos motivos é a busca por informação, ela aposta. Antes, pouco se sabia sobre o transtorno, o que tem mudado ultimamente. “Esse processo é parecido com o que ocorreu com a Síndrome de Down, por exemplo. As pessoas desconheciam e agora já passam a compreender”, compara.

O saber sobre o transtorno é didático. Falar sobre o autismo, compartilhar experiências com quem tem ou não familiares nesse perfil, pode ser uma estratégia de inclusão. Afinal, as características do transtorno só podem ser percebidas por quem minimamente o conhece.

Aos poucos, Fernanda vai tentando – junto com outras mães e educadoras como ela – ampliar as informações sobre o transtorno. A luta é para que, um dia, a inclusão esteja presente no cotidiano de todos: “A gente ainda fala sobre educação inclusiva. Mas toda educação deve ser inclusiva, não devia ter essa denominação. Essa visão devia estar em todo o processo educativo”.

O que diz a LBI?

Destinada a promover e assegurar as condições de igualdade para as pessoas com deficiência, a Lei Brasileira de Inclusão foi sancionada em 6 de julho de 2015. No texto estão asseguradas condições e colocados avanços que garantem o exercício de liberdades fundamentais.

1) Qual o conceito de pessoa com deficiência?

Aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

 

2) A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

– Casar-se e constituir união estável;

– Exercer direitos sexuais e reprodutivos;

– Exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

– Conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

– Exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária;

– Exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

 

3) A pessoa com deficiência tem garantidos no sistema educacional:

– Projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu acesso ao currículo em condições de igualdade;

– Oferta de educação bilíngue, em libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas;

– Adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino;

– Participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar;

– Formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio;

– Acesso, em igualdade de condições, a jogos e a atividades recreativas, esportivas e de lazer, no sistema escolar.

 

4) Nos processos seletivos para ingresso nas instituições de ensino superior e de educação profissional e tecnológica, públicas e privadas, devem ser adotadas as seguintes medidas:

– Atendimento preferencial à pessoa com deficiência nas dependências das instituições de ensino superior e nos serviços;

– Disponibilização de formulário de inscrição de exames com campos específicos para que o candidato com deficiência informe os recursos de acessibilidade e de tecnologia necessários para sua participação;

– Disponibilização de provas em formatos acessíveis para atendimento às necessidades específicas do candidato com deficiência;

– Disponibilização de recursos de acessibilidade e de tecnologia adequados, previamente solicitados e escolhidos pelo candidato com deficiência;

– Dilação de tempo, conforme demanda apresentada pelo candidato com deficiência, tanto na realização de exame para seleção quanto nas atividades acadêmicas, mediante prévia solicitação e comprovação da necessidade;

– Adoção de critérios de avaliação das provas escritas, discursivas ou de redação que considerem a singularidade linguística da pessoa com deficiência, no domínio da modalidade escrita da língua portuguesa;

– Tradução completa do edital e de suas retificações em libras.

 

5) Sobre os equipamentos de cultura, esporte e lazer:

– As salas de cinema devem oferecer, em todas as sessões, recursos de acessibilidade para a pessoa com deficiência (vigência a partir de 2019);

– O valor do ingresso da pessoa com deficiência não poderá ser superior ao valor cobrado das demais pessoas;

– Os hotéis, pousadas e similares devem ser construídos observando-se os princípios do desenho universal, além de adotar todos os meios de acessibilidade, conforme legislação em vigor;

– Nos teatros, cinemas, auditórios, estádios, ginásios de esporte, locais de espetáculos e de conferências e similares, serão reservados espaços livres e assentos para a pessoa com deficiência, de acordo com a capacidade de lotação da edificação, observado o disposto em regulamento.

 

Fonte: Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015)

 

> Para saber mais

O que fazer quando a escola não aceita a matrícula da criança ou adolescente?

– A família deve alegar o conhecimento da lei e solicitar da escola uma negativa por escrito;

– Se a escola recusar a negar por escrito, uma boa ideia é fazer a solicitação de matrícula via AR nos correios. A ausência de resposta no prazo indicado já configura a recusa;

– Após a negativa, é possível procurar órgãos como o Ministério Público e a Defensoria Pública;

– A recusa de matrícula é discriminação e o responsável poderá ser penalizado com multa e reclusão, de um a três anos.

 

Fonte: Beatriz Xavier – advogada, professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, coordenadora do Núcleo de Práticas Jurídicas – NPJ/UFC e coordenadora do Projeto Árvore-Ser – Grupo de Estudos Aplicados em Direito das Pessoas com Deficiência, da UFC

As diferenças de cada um

As deficiências podem ter origem genética, surgir na gestação, em decorrência do parto ou nos primeiros dias de vida do bebê. Cada tipo deve ser tratado e acompanhado de forma específica, respeitando as singularidades e as necessidades do indivíduo.

Deficiência Física: alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, comprometendo a função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, entre outros.

 

Deficiência Auditiva: consiste na perda bilateral, parcial ou total, de 41 decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.

 

Surdez: consiste na perda auditiva acima de 71 dB, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.

 

Deficiência Visual: consiste na perda total ou parcial de visão, congênita ou adquirida, variando o nível ou a acuidade visual. É dividida entre cegueira e baixa visão.

 

Deficiência Intelectual: caracteriza-se por alterações, tanto no desenvolvimento intelectual como na conduta adaptativa, na forma expressa em habilidades práticas, sociais e conceituais.

 

Deficiência Múltipla: consiste na associação de duas ou mais deficiências.

 

Surdocegueira: deficiência única, caracterizada pela deficiência auditiva e visual concomitante. Essa condição apresenta outras dificuldades além daquelas causadas pela cegueira e pela surdez.

 

Autismo: prejuízo no desenvolvimento da interação social e da comunicação; pode haver atraso ou ausência do desenvolvimento da linguagem; naqueles que a possuem, pode haver uso estereotipado e repetitivo ou uma linguagem idiossincrática; repertório restrito de interesses e atividades; interesse por rotinas e rituais não funcionais. Manifesta-se antes dos 3 anos de idade.

 

Síndrome de Rett: transtorno de ordem neurológica e de caráter progressivo. Manifesta-se pela ausência de atividade funcional com as mãos, isolamento, regressão da fala e das habilidades motoras adquiridas, comprometimento das relações sociais e do desenvolvimento mental.

 

Transtorno Desintegrativo da Infância: caracteriza-se pela perda de funções e capacidades anteriormente adquiridas pela criança. Apresenta características sociais, comunicativas e comportamentais também observadas no autismo. Tem início entre os 2 e os 10 anos de idade e acarreta alterações qualitativas na capacidade para relações sociais, jogos ou habilidades motoras, linguagem, comunicação, com comportamentos estereotipados e instabilidade emocional.

 

Altas habilidades/superdotação: demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de interesse.

 

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – Educação Inclusiva e o Atendimento Educacional Especializado

Veja o histórico da legislação sobre inclusão no Brasil

1961 – Lei nº 4.024
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) fundamenta o atendimento educacional às pessoas com deficiência, chamadas no texto de “excepcionais”.

1971 – Lei nº 5.692
A segunda Lei de Diretrizes e Bases educacionais é da época da ditadura militar. Não promovia a inclusão na rede regular, determinando a escola especial como destino.

1988 – Constituição Federal
O artigo 208, que trata da Educação Básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos, afirma que é dever do Estado garantir “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.

1989 – Lei nº 7.853
Obriga a inserção de escolas especiais, privadas e públicas, no sistema educacional e a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimento público de ensino.

1990 – Lei nº 8.069
Mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, garante o atendimento educacional especializado às crianças com deficiência preferencialmente na rede regular de ensino.

1994 – Política Nacional de Educação Especial
O texto é considerado um atraso, pois propõe a chamada “integração instrucional”, um processo que permite que ingressem em classes regulares de ensino apenas as crianças com deficiência que “(…) possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais”.

1996 – Lei nº 9.394
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) tem um capítulo específico para a Educação Especial. Nele, afirma-se que “haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de Educação Especial”.

2001 – Resolução CNE/CEB nº 2
Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Afirma que “os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos”. Porém, o documento coloca como possibilidade a substituição do ensino regular pelo atendimento especializado.

2002 – Resolução CNE/CP nº 1/2002
A resolução dá “diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena”.

2002 – Lei nº 10.436/02
Reconhece como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

2006 – Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
Entre as metas está a inclusão de temas relacionados às pessoas com deficiência nos currículos das escolas.

2007 – Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)
Trabalha com a questão da infraestrutura das escolas, abordando a acessibilidade das edificações escolares, da formação docente e das salas de recursos multifuncionais.

2008 – Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
Documento que traça o histórico do processo de inclusão escolar no Brasil para embasar “políticas públicas promotoras de uma Educação de qualidade para todos os alunos”.

2008 – Decreto nº 6.571
Obriga a União a prestar apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino. Além disso, reforça que o AEE deve estar integrado ao projeto pedagógico da escola.

2009 – Resolução nº 4 CNE/CEB
O foco é orientar o estabelecimento do atendimento educacional especializado na Educação Básica, que deve ser realizado no contraturno e preferencialmente nas chamadas salas de recursos multifuncionais das escolas regulares.

2012 – Lei nº 12.764
A lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.

2014 – Plano Nacional de Educação (PNE)
Afirma: “Universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo”.

 

Fonte: Todos Pela Educação

REALIDADE LOCAL

A escola que queremos

A distância entre o papel e a prática ainda é grande. Graças ao esforço de instituições, secretarias, profissionais da educação, operadores do direito e famílias, entretanto, muito do que está disposto nas legislações ganha forma e garantia nos ambientes escolares

Isabel Costa / isabelcosta@opovo.com.br

Embora diversas legislações, recentes e antigas, garantam o pleno ingresso de crianças e adolescentes com deficiência nas instituições de ensino, ainda há múltiplos obstáculos para serem enfrentados. Das dificuldades na matrícula ao desinteresse de profissionais, da estrutura física à ausência de intérpretes. Muito do que está previsto nas normas ainda não foi efetivado no cotidiano escolar. E há outro fator que entrava a tão almejada inclusão nos ambientes de ensino: o preconceito.

 

Sem conhecer as reais necessidades e particularidades das crianças, muitos pais de estudantes regulares veem com receio a presença das pessoas com algum tipo de limitação nas salas de aula. “O preconceito está em primeiro lugar como barreira para a inclusão. E não é preconceito dos alunos. É dos adultos”, lamenta Gêwada Weyne, assessora técnica da Educação Especial Codea/Diversidade e Inclusão Educacional da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc).

 

A dificuldade de aplicar as legislações no cotidiano escolar passa ainda pela ausência de intérpretes de libras, pela concorrência por profissionais capacitados, por questões particulares das famílias e por obstáculos estruturais que atrapalham a circulação. “Questões como falta ou má gestão de recursos implicam a ausência de implementação de equipamentos como Salas de Recursos Multifuncionais e contratação de profissionais de apoio, por exemplo”, cita Beatriz Xavier, coordenadora do Projeto Árvore-Ser – Grupo de Estudos Aplicados em Direito das Pessoas com Deficiência, da Universidade Federal do Ceará (UFC), e professora da Faculdade de Direito.

 

É nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) que os estudantes com deficiência recebem suporte para acompanhar os conteúdos na turma regular. Os surdos aprendem libras e os cegos aprendem braile. Considerado um dos maiores avanços dos últimos anos, estes espaços são ambientes pedagógicos que começam a crescer em número e em importância no Ceará. “Todo o material das salas é disponibilizado pelo Ministério da Educação. Estado e municípios entram com a estrutura física e a contratação dos profissionais”, explica Gêwada Weyne. Na rede estadual, segundo dados da Seduc, são 176 salas divididas em 98 municípios.

 

Há outras dificuldades para a implantação das legislações, no entanto, que ultrapassam o braço do poder público e das instituições de ensino. Gêwada afirma que hoje, no Ceará, um dos principais entraves é a contratação de intérpretes de libras, que atuam nas salas com alunos surdos. Como a carga horária da formação é extensa, são poucos os profissionais disponíveis no mercado. E não importa o número de estudantes matriculados. “Se há uma única criança ou adolescente surdo, ele já tem direito a ter a presença do intérprete”, aponta Gêwada Weyne. Felizmente, tem havido proliferação no número de cursos para intérpretes – inclusive, no sistema superior de ensino.

 

Profissionais de apoio

Apesar das garantias legais para que os profissionais de apoio acompanhem os alunos que tiverem necessidade, durante todos os momentos da rotina escolar, a realidade ainda está distante. Estado e alguns municípios têm feito esforço para garantir que mais alunos sejam assistidos no sistema público de ensino. Na rede particular, conforme relatos ouvidos pelo O POVO, a maior dificuldade é a cobrança de taxas extras quando a criança precisa de acompanhamento do profissional. O pagamento, porém, é vetado pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI).

 

Esses profissionais – chamados popularmente de “cuidadores” – dão apoio para alunos que não conseguem realizar com independência atividades de alimentação, higienização e deslocamento no espaço escolar. A Seduc tem 50 profissionais de apoio escolar contratados, em 44 escolas e 32 municípios, segundo informou ao O POVO. Para Gêwada, os avanços da legislação dos últimos tempos, na área de educação especial, vêm impulsionando o sistema público a garantir as condições propícias de inclusão. “Além dos profissionais de apoio, temos a formação de professores, a compra de mobiliário e equipamentos específicos”, completa.

Educação para todos

Quando a escola reúne diferenças

Rômulo Costa / romulocosta@opovo.com.br

Mais do que agregar conhecimento, a escola tem a função de reunir ideias, visões de mundo e todas as formas de ser gente. Na sala de aula, os alunos têm a chance de aprender o conteúdo formal, mas também de exercitar algo muito próprio da vida em sociedade: a convivência com o diferente. Pensar em um ambiente escolar que separa estudantes é, de algum modo, contradizer o que ele guarda de mais rico. Foi com esse pensamento que a proposta de escola inclusiva atravessou pelo menos 20 anos de cobrança até se sedimentar em garantias legais.

Até então, a única possibilidade de crianças e adolescentes com deficiência frequentarem as salas de aula era separados em classes especiais ou em instituições especializadas em alunos com esse perfil. Quando as políticas de igualdade começaram a ganhar força, esse pensamento começou a mudar.

A proposta principal foi que todos pudessem usufruir do mesmo espaço escolar e promover a convivência. Começou daí a visão de que a escola pode, sim, incluir todos, sem distinção. A pesquisadora Maria Teresa Mantoan, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lembra que essa lógica rompe com uma mentalidade praticada por muitos anos.

Para ela, que estuda a inclusão no ambiente escolar desde 1992, o ponto principal é entender que a educação é “um direito indiscriminado a todos”. E pondera: “No entanto, a nossa educação sempre foi para alguns, embora seja um direito garantido constitucionalmente”.

Para entender como funciona a inclusão no ambiente escolar, Maria Teresa propõe olharmos para a educação que praticamos até aqui. Segundo ela, é preciso refletir sobre a chamada “educação especial”, que separava o ensino para pessoas com deficiência. Essa modalidade tinha como objetivo “substituir o ensino regular para pessoas com deficiência”, explica.

A inclusão contraria essa ideia. “A educação, para ser inclusiva, precisa ter um caráter suplementar e não substitutivo”. Isso quer dizer que o ideal é que os alunos com deficiência possam estar junto aos demais, nas mesmas salas e sendo convidados a aprender os mesmos conteúdos. “A escola inclui quando apoia esse aluno a eliminar barreiras. Isso acontece quando ele, com independência e autonomia, pode frequentar a escola comum”, define Maria Teresa.

Nesse caminho, não é só o aluno com deficiência que deve ser integrado. Estudantes com transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação também devem partilhar do mesmo ambiente escolar.

Avanços e desafios

O direito de frequentar a escola comum é um dos avanços obtidos pelas pessoas com deficiência, de acordo com Carla Mauch, coordenadora da ONG Mais Diferenças, que atua na formação de professores para atuar em unidades inclusivas. Em pouco mais de 10 anos, houve uma série de garantias que permitem, pelo menos na lei, a igualdade de acesso a todos.

Uma das vantagens, segundo ela, foi colocar essa discussão em pauta, o que não era tão simples no passado. A gestora cita como conquistas o acesso à matrícula e os dados consolidados sobre esse público na escola. Mas não esquece que há muito avanço por vir.

“Trabalho com a pauta da deficiência há mais de 30 anos. Perto do que tínhamos, tivemos um avanço enorme. No entanto, a dívida histórica é maior”, analisa. Entre os desafios, estão a melhor formação de professores para tratar o tema e a permanência do aluno com deficiência na escola. “Isso é uma mudança complexa. É preciso mudar o olhar, valorizar a diferença”, demarca.

Para ela, a escola ainda tem a tendência de homogeneizar os estudantes. Isso não é um pensamento inclusivo, critica Carla Mauch. “Ainda existe a ideia de competição entre alunos, para saber qual é o melhor. O que a gente propõe é uma mudança radical nessa visão”.

Maria Teresa Mantoan concorda. Segundo a pesquisadora, o desafio maior é de humanizar a escola. “Elas precisam trabalhar a partir da capacidade de cada um dos alunos, e não baseadas em uma média. Isso segrega”, alerta. A professora entende que esse talvez seja a principal lição da educação inclusiva para ofertar a professores, alunos e gestores.

 

Entenda a diferença

Classe comum

Espaço que permite a todos os alunos estudarem no mesmo ambiente, na educação regular. O conteúdo é igual para todos os estudantes e eles compartilham a sala de aula sem distinção.

Classe especial

Sala de aula destinada exclusivamente para alunos com deficiência transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Em uma mesma escola de ensino regular, divide-se os alunos em classes comuns e especiais. Não permite inclusão de todos os estudantes, por conta dessa separação.

Escola especial

Instituição que só abriga classes especiais. É mais ligada à visão assistencialista e não está vinculada à educação inclusiva, uma vez que promove a segregação total dos alunos com deficiência.

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