Somos universos que se complementam

Para incluir, é preciso, sobretudo, aceitar as diferenças e respeitá-las. E é na família que a pessoa com deficiência encontra o primeiro exemplo de integração social. Pais, irmãos, primos, avós, tios… todos são importantes para que o indivíduo com deficiência se sinta parte integrante de um grupo.

Para a família, é uma rotina de desafios e, por isso mesmo, ela deve ser amparada com profissionais de apoio e acompanhamento terapêutico adequado.

Nesta edição mostramos exemplos de acolhimento dentro de casa. Pais que vivenciam as diferenças e filhos que aprendem que uma sociedade que inclui pode, sim, existir.

Especialistas contam sobre a importância dos acompanhamentos adequados para o bom desenvolvimento do indivíduo com deficiência e como a escola pode integrar os alunos, respeitando suas potencialidades e atuando em conjunto com os familiares.

 

Algumas dicas

– Trabalho em equipe
A família precisa estar unida e trabalhar em consonância para proporcionar o melhor ambiente de crescimento para a criança.

– Estudo e leitura
Buscar outros pais, ler livros e assistir filmes é um bom caminho para entender a deficiência e o novo momento.

– Buscar profissionais
Procure especialistas que possam orientar sobre quais tratamentos oferecer à criança e onde encontrar os profissionais.

– Acompanhamento da família
Se a família julgar necessário, um psicólogo pode ser consultado para acompanhamento periódico dos pais.

Fontes: Felipe Leite, analista do comportamento, diretor pedagógico da Imagine Tecnologia Comportamental e doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento; e Carolina Figueiredo, neurologista infantil do Hospital Infantil Albert Sabin e do Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce da Maternidade Escola Assis Chateaubriand

O sustentáculo que vem de casa

Apoio familiar, amparo mútuo e socialização são fatores fundamentais para o desenvolvimento das crianças com deficiência

Isabel Costa / isabelcosta@opovo.com.br

É nas casas que nasce o maior suporte que uma criança pode ter durante a vida. Com filhos com ou sem deficiências, os pais são responsáveis por mostrar o mundo, explicar a vida, abrir portas e possibilidades, amar e ser sustentáculo. Para a neurologista infantil Carolina Figueiredo, a família deve ser a primeira a tentar reconhecer a deficiência e, assim, compreender melhor os desafios que o filho ou a filha terá ao longo da vida.

“Quando a família passa a frequentar todos os lugares com a criança que tem qualquer tipo de deficiência, está apenas vivendo de forma natural e acaba por, direta ou indiretamente, mostrar a pessoas que não lidam muito com o que é considerado ‘diferente’ no diaadia que toda diferença faz parte da nossa realidade”, aponta. Para ela, não é preciso forçar o convívio social, mas apenas ter uma vida natural e leve – respeitando os limites da criança ou adolescente.

O suporte emocional é determinante. Afinal, não há indivíduo – com ou sem deficiência – que consiga se sentir seguro sem esse apoio. “A família que apoia e auxilia na estruturação de seus sentimentos está ajudando na formação emocional do indivíduo adulto que essa criança se tornará. Essa base irá acompanhá-lo sempre. Por isso, é nos primeiros anos de vida que deve ser iniciada para que possa se solidificar. O amor e o apoio que os pais dão a seus filhos trazem mais conforto e confiança a eles”, comenta Carolina.

É amparado nessas premissas que Hélder Pinheiro, psicólogo e psicanalista, cuida do filho Miguel, 2 anos, e da filha Júlia, 9 anos. “A primeira questão que vem em torno da deficiência é a família saber que a deficiência é uma parte do filho. O filho é mais que a deficiência. Todos nós temos nossas limitações”, explica. Hélder se graduou na década de 1990 e estudou a educação inclusiva por anos. Quando o caçula nasceu, entretanto, ele enfrentou novos desafios.

Miguel tem síndrome de Down e, com o apoio dos pais e da irmã, tem o melhor ambiente para crescer e se desenvolver. Antes da chegada do caçula, Júlia tinha pequenas dificuldades na escola. Acordar cedo era estressante e as atividades não iam tão bem. Mas foi só Miguel chegar que tudo mudou. Não houve qualquer ciúme, a vida é mais amena e a convivência ficou mais leve. “Para acordá-la, basta colocar o Miguel na cama junto. Eles ficam brincando, rindo. O nascimento dele foi um estímulo para ela”, aponta Hélder.

Além disso, explica Felipe Leite, doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento, o apoio de amigos e de outros parentes também é significativo para o desenvolvimento. “Quanto mais pessoas se engajam para ajudar a criança, mais oportunidades de aprendizado dos comportamentos mais diversos – sociais, pedagógicos, de autocuidados – nós temos”, explica.

A inclusão é de casa

A mãe Lena Patrícia viu a evolução da filha Maria Isadora, com síndrome de Down, depois da chegada das duas irmãs. Antes mesmo de chegar à escola, elas aprenderam a conviver com as diferenças

Rômulo Costa / romulocosta@opovo.com.br

Estar em família é talvez uma das primeiras chances de aprender sobre inclusão. É em casa que se experimenta conviver com o outro, equilibrar diferenças e entender que nós somos muitos. O cotidiano fez Lena Patrícia, 38 anos, perceber que a vida é tão variada quanto imprevisível. Em casa, na convivência com as filhas, ela compreendeu sobre si e sobre a relação que estabelece com o mundo. O curioso é que a analista de recursos humanos chegou a ter dúvida se expandir a família seria realmente uma boa ideia.

Das três filhas de Lena, quem nasceu primeiro foi Maria Isadora Oliveira, 12. A menina tem cabelos lisos, adora brincar na piscina e estudar português e matemática. Outra característica da Isadora é a síndrome de Down. Assim mesmo. A condição é apenas um aspecto entre o emaranhado de atributos que a menina carrega em si.

Acontece que essa característica fez com que a mãe e o pai, João Coelho, 45, dedicassem boa parte da rotina para os cuidados com a Isadora – desde idas a consultórios até a frequência em terapeutas. “Os médicos começaram a dizer que a gente podia ter outro filho. Mas eu não queria tirar o foco dela. Eu dizia que não fazia falta”, relembra. Os especialistas explicavam que um irmão poderia estimular o desenvolvimento da menina. Ajudaria também na inclusão e no progresso do tratamento.

De surpresa, a vida tratou de entregar duas meninas para dividir o dia a dia e as alegrias de Isadora. A primeira irmã foi Maria Fernanda, hoje com 7 anos, e depois chegou a Maria Gabriela, 3. “As meninas foram a melhor coisa que poderia acontecer para nós. A Isadora evoluiu demais com elas. A forma de falar, o comportamento, tudo melhorou”, conta.

O sentimento de igualdade também cresceu. Com sete anos de diferença para a irmã mais velha, Isadora naturalmente quis ajudar a mãe nos cuidados com a Fernanda. Ganhou pequenas responsabilidades, conheceu novas possibilidades e caminhos que nunca tinha percorrido até ali. “Foi um salto de desenvolvimento”, comemora a mãe.

E mais do que progredir, Isadora e as irmãs passaram a compreender que as diferenças não são um impeditivo para a convivência: “A Fernanda só veio saber que a irmã tinha síndrome de Down depois dos sete anos de idade, quando ela começou a perceber semelhanças entre a Isadora e outras crianças com Down”.

A experiência de casa foi replicada em outros ambientes. Na escola, Fernanda convive com colegas com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento. A relação entre eles nunca foi uma dificuldade. “Eles crescem juntos. Cada um aprende uma coisa nessa convivência”, demarca a mãe, enquanto as meninas continuam muito preocupadas com as múltiplas formas de ser criança. “O que eu mais gosto é de brincar de pega-pega com a Isadora”, divide Fernanda, ao lado do sorriso cúmplice da irmã.

Os primeiros passos

Buscar o suporte de profissionais adequados e trabalhar em equipe são as primeiras atitudes a serem tomadas quando se descobre que um filho ou uma filha tem deficiência

Isabel Costa / isabelcosta@opovo.com.br

Diversas são as formas de reagir quando se descobre que um filho tem deficiência. Há pais que negam, que choram, que gritam contra o mundo, que vivenciam uma espécie de luto. Passada a ebulição inicial de sentimentos, é hora de pensar quais os melhores mecanismos para ofertar suporte à criança. E é nesse momento que a família cresce. “A primeira coisa a ser feita é o casal unir suas forças e decidir lutar junto, pois lutar sozinho é muito difícil”, ensina Sudério Magalhães, eletrotécnico, 38 anos, pai de um garoto de sete anos que tem paralisia cerebral.

Segundo famílias e especialistas ouvidos pela reportagem do O POVO, o primeiro passo é buscar profissionais capacitados a auxiliar a criança nas limitações e tratamentos. “O importante não é como se sentem ao descobrir, mas, sim, como vão lidar com essas emoções e com a realidade que acompanha um filho com deficiência. Os pais têm uma importância inegável e insubstituível para seus filhos e devem lembrar-se disso para poderem se estruturar e exercer seu papel da melhor forma possível”, opina a neurologista Carolina Figueiredo.

Para ela, as medidas tomadas de imediato devem ser pautadas nos cuidados urgentes e inspirados no quadro clínico. “Dependerá muito se a criança nasce com determinada síndrome genética, ou uma malformação localizada, ou alguma deficiência secundária a alguma injúria ou mesmo uma fatalidade, como, por exemplo, uma criança que nasce saudável, mas apresenta um quadro de meningite bacteriana com poucos meses de vida e evolui com consequências neurológicas”, explica Carolina, que atende no Hospital Infantil Albert Sabin e no Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce da Maternidade Escola Assis Chateaubriand.

Sudério explica que, em alguns casos, é necessário nadar contra a corrente. “E nunca desistir dos seus sonhos, mesmo que alguns médicos digam que não será possível”. Foi aprendendo aos poucos e caminhando a passos largos que ele e a família conseguiram oferecer o melhor suporte para o filho, Suderinho. Cada situação é um novo desafio – prazeroso e instigante – que precisa ser vivenciado. “Sempre costumo dizer que não pare de chorar. Mas o choro tem que ser à noite, quando for dormir. Pois quando acordamos, é hora de arregaçar as mangas”.

Para Felipe Leite, doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento, procurar os profissionais adequados para o caso da criança é fundamental. Mas é preciso lembrar que nem sempre será necessário manter um tratamento extenso com todos, pois cada caso e cada criança têm as suas especificidades. “Mas uma avaliação destes profissionais será importante para saber os rumos a serem tomados”, indica. Além disso, ele garante, se os pais identificarem necessidade, pode ser buscado um psicólogo ou outro especialista que faça acompanhamento das mudanças de vida sentidas pela família.

Inclusão entre irmãos

Relacionamento harmonioso dentro de casa ajuda no desenvolvimento da criança com necessidades especiais. Pais apostam no diálogo para garantir apoio dosfilhos sem deficiência e aceitação da criança no âmbito familiar

Lucas Mota / lucasmota@opovo.com.br

Foi por meio do diálogo que os pais do Artur, 6 anos, uma criança com autismo, conseguiram o apoio dos outros filhos, Bernardo, 8, e Ícaro, 20. O pequeno Artur recebeu o diagnóstico do distúrbio neurológico quando tinha dois anos, em 2012. Desde então, a inclusão dentro de casa e no âmbito familiar foi tratada como prioridade pelos pais, a odontóloga Virgínia de Castro Oliveira, 39, e o empresário Tácito Pereira Almeida, 41 anos. A aceitação do filho mais velho, Ícaro,foi imediata. Entretanto, a mãe precisou conversar e explicar com paciência a condição especial do caçula para o filho do meio, que não entendia o motivo de o irmão não querer brincar nem interagir.

“Ele (Bernardo) já cresceu com essa consciência e hoje é um defensor. Em qualquer lugar, ele explica que vai demorar mais para o irmão aprender, mas que é só ter consciência. Muitas vezes, me senti culpada porque dava mais atenção ao Artur, mas o próprio Bernardo já entende (a situação). ‘Mamãe, nem precisa se justificar. Eu sei que ele precisa de mais atenção’, me disse uma vez o Bernardo quando conversamos sobre o assunto”, conta Virgínia.

A relação harmoniosa entre os irmãos é fundamental para o desenvolvimento do pequeno Artur. Além disso, Virgínia destaca a aceitação da criança no círculo de familiares e amigos. “Eu acho que o objetivo de todo ser humano é ser aceito como ele é. Você quer ser quem você é e, quando não consegue aceitação nem dentro de casa, fica difícil. Tenho certeza de que a maneira como enfrentei a questão da aceitação contaminou todas as pessoas da família e amigos. Isso afetou diretamente na vida do Artur, que é aceito dentro de casa e em outros ambientes. Nunca o privei de ir a canto nenhum”.

Em vez da superproteção, Virgínia tenta trabalhar a autonomia do Artur na medida em que a condição do filho permite. “Se eu fosse proteger demais, ele não ia aprender. Estamos sempre incentivando. Ele tinha pânico de aniversário de criança, mas, em vez de não levá-lo por causa disso, a gente levava para ele se acostumar e aprender. Hoje, o Artur adora festa de aniversário, não quer ir embora”, garante.

Já o casal formado pelo jornalista Adilson Nóbrega, 38, e a contadora Karla Nóbrega Alves, 36, teve o pequeno João em janeiro deste ano. Com menos de um mês de vida, a criança recebeu o diagnóstico de síndrome de Down. O primeiro desafio dos pais também foi explicar para a filha Karen, 6 anos, a condição do irmãozinho. Para o pai, a aceitação da filha será fundamental para o desenvolvimento social do João. “Fomos explicando para ela que, pela condição dele, ele vai demorar mais para sentar, andar ou estudar, mas que, na verdade, é preciso ter atenção e carinho. Ela já sabe que o irmão é uma criança especial que precisa de carinho. Acho que essa atenção dela por ele, as brincadeiras no futuro, o companheirismo, serão fundamentais. Espero que a relação deles se aprofunde. É muito importante”, relata Adilson.

A escola inclusiva está na união

O titular da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), Idilvan Alencar, propõe a criação de um pacto entre instituições públicas para ampliar a inclusão nas escolas, assim como aconteceu com o programa de alfabetização do Estado. Nesta entrevista, ele fala dos avanços e dos desafios de uma escola que une

Rômulo Costa / romulocosta@opovo.com.br

O tema da inclusão no ambiente escolar ganhou força nos últimos dez anos, com articulação que aconteceu nas esferas federais e estaduais. O que antes figurava apenas como reivindicação de pais e professores da rede de ensino, hoje, virou lei. Exemplo disso é o acesso de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/dotação em escolas de ensino regular. A legislação evoluiu, mas ainda precisa avançar. Essa é a visão do professor Idilvan Alencar, titular da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc). Em entrevista ao O POVO, ele defende que o tema seja tratado com responsabilidade e não, apenas, de maneira acessória. O secretário propõe a criação de um pacto envolvendo municípios, o Estado e outros entes para pensar e articular ações que ampliem o acesso e a evolução de jovens com deficiência nas escolas. Idilvan lembra que essa conjunção de forças já foi testada com o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), trazendo bons resultados. Para ele, é a vez de expandir essa articulação para outros temas, como a educação inclusiva.

O POVO – Hoje, qual é o cenário da educação inclusiva aqui no Ceará?
Idilvan Alencar – A Secretaria Estadual da Educação (Seduc) tem uma coordenadoria da diversidade, que tem educação indígenas, quilombolas e especial. Dentro das escolas da rede estadual, nós temos hoje salas de recursos multifuncionais, que são salas com equipamentos apropriados para pessoas com deficiência. A gente tem professores com formação e eles são inseridos na escolaridade comum.Além dessas salas, que estão presentes em 543 escolas em 171 municípios, nós temos, aqui em Fortaleza, o Núcleo de Apoio Pedagógico Especializado (Nape). Esse órgão consegue ter um atendimento ainda mais especializado, porque há psicólogo, assistente social, fonoaudiólogo, terapeuta, entre outros profissionais. Temos ainda o Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado (Creace) que dá um atendimento ainda mais especializado. Lá, você tem formação de professores e a produção de materiais.Mais esse desafio (da inclusão) é muito a questão do entorno. Nós temos a família, a escola e a sociedade em geral envolvidas. Quando nós tratamos desse tema, nós não estamos ajudando somente aquela pessoa com deficiência. Todos são beneficiados enquanto ser humanos e cidadãos.

 

O POVO – Nós tivemos alguns avanços na legislação, tanto no âmbito federal como no estadual. De que maneira essas leis ajudam a fazer uma escola mais inclusiva?
Idilvan – A força da norma é importante para o gestor público se pautar e assumir compromissos de prazo, inclusive. O gestor público não pode ser simplesmente sensível à questão. É mais do que isso. A legislação coloca responsabilidades. Às vezes esse tema é tratado de forma muito incipiente. E não é essa a tônica. O gestor tem responsabilidade.

 

O POVO – O que temos de legislação já contempla o tema ou ainda precisamos de mais avanços?
Idilvan – Existem marcos regulatórios importantes, mas a legislação ainda pode avançar, especialmente sendo mais incisiva no cumprimento de prazos, na expansão do processo e na responsabilização. É nesse âmbito que ela ainda pode avançar.

 

O POVO – O senhor citou algumas atividades do Estado para pessoas com deficiência. A rede estadual está preparada para a inclusão?
Idilvan – Acho que ela está preparada em certa medida, mas ainda precisamos avançar. Em relação à formação de professores, por exemplo, nem todas as áreas da universidade você sai sabendo lidar com um aluno que tem alguns transtornos. Nós já temos isso (formação de professores), mas acredito que ainda podemos avançar, tanto na rede estadual quanto na municipal.

 

O POVO – Como é a formação de professores hoje no Estado?
Idilvan – Nós temos um grupo de profissionais que preparam material e formalizam convênio com a rede municipal. Isso acontece com frequência, existe um calendário letivo o ano inteiro. Esse espaço (localizado no Creace) não é um ambiente distante da realidade. Lá, presta-se atendimento. A formação fica mais rica por isso. As questões teóricas, nesse caso, estão muito ligadas à prática.

 

O POVO – Mas o que ainda precisamos melhorar quanto à formação de professores?
Idilvan – Nós temos uma rede de 10 mil professores, mas a gente precisa ganhar escala. Em todas as redes municipais, nós não temos (a quantidade necessária de professores formados). O que a gente precisa ganhar é em qualidade. E é preciso avaliar todo o processo de formação.

 

O POVO – A maioria dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades está matriculada na escola pública. No Ceará, 95% deles estão na rede pública de ensino. Isso amplia a responsabilidade do Governo quanto à inclusão.
Idilvan – Isso. E mesmo os processos da rede municipal não podem ser desconsiderados pelo Estado. O fato de o aluno não estar matriculado em uma escola estadual não nos exime dessa responsabilidade. Nós precisamos apoiar os municípios. Em uma perspectiva futura, poderíamos fazer um grande pacto, como o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic). Acho que poderíamos fazer um pacto entre Estado, municípios e poder político constituído para poder, cada vez mais, prestar um atendimento com maior qualidade para esse público.

 

O POVO – É preciso haver coalizão entre esses atores? Quais são as outras alternativas da Secretaria para promover a inclusão nesses municípios?
Idilvan – Acho essa coalizão fundamental. Sem esse processo de cooperação, você não consegue avançar muito. A cooperação entre sociedade civil e poder político deve fazer parte. A Assembleia Legislativa ajudou muito no Paic, por exemplo, e podia estar num processo desse, assim como as câmaras municipais. Esse tema por mais que nós, do Poder Público, digamos que avançamos, ainda requer muito da gente. Ele nos convoca fortemente para uma ação mais forte.

 

O POVO – Por que essa cooperação ainda não aconteceu?
Idilvan – Ela acontece em determinado nível, mas precisa ganhar um formato mais sólido. O Estado trata de questões gerais e, quando o tema é específico, a gente às vezes não tem a mesma força. Eu me disponho a tratar essa questão. Falta um movimento mais coordenado, com metas mais claras, ações mais marcadas.

 

O POVO – Além do desafio da formação de professores, existe outro que é a da permanência desses alunos na escola. A maior parte não chega ao Ensino Médio. O que deve ser feito para que ele permaneça na escola?
Idilvan – Esse assunto merece ser pesquisado em profundidade, assim como a gente tem dados sobre a permanência e abandono no Ensino Médio regular. A gente precisa saber quantos alunos com deficiência ingressaram na escola e por quanto tempo eles permaneceram. Precisamos pesquisar isso por município e estudar as causas.

 

O POVO – Alguns especialistas criticam o atual modelo de escola, que tenta homogeneizar, limitar por uma média…
Idilvan – É a grande discussão. Se tenho um aluno com deficiência, eu vou ser inclusivo apenas por matriculá-lo na rede regular? Eu entendo que é mais amplo. Eu preciso matriculá-lo na rede regular, mas preciso dar condição para que ele tenha um desenvolvimento que siga determinados padrões.

 

O POVO – A falta de indicadores que apontem a inclusão também é uma questão levantada pelos especialistas. Como se pode pensar um fluxo de políticas públicas sobre o tema?
Idilvan – Se eu pudesse traçar um caminho, eu diria que começa com a pesquisa que produz indicadores de permanência, resultados e necessidades. A partir disso,a  gente teria o que estou chamando de pacto, que olha para os indicadores e promove ações mais objetivas e direcionadas. Esse seria o percurso.

 

O POVO – Quando a escola é inclusiva, quais são os ganhos?
Idilvan – Todo mundo ganha com a convivência de um aluno que tem deficiência. O aluno passa a ter uma visão de cidadania, ele tem um processo humano mais rico. É nesse sentido que esse tema deve ser tratado.

O ofício de cuidar e incluir

Apoio de profissionais é imprescindível para desenvolvimento das crianças com deficiência. Psicólogos, psicopedagogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos podem ser solicitados

Isabel Costa / isabelcosta@opovo.com.br

O trabalho de profissionais especializados é determinante para o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes com deficiência. Atuando em diversas áreas, eles abrem portas e ajudam os indivíduos a desenvolver potencialidades. Psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e psicopedagogos podem ser solicitados para acompanhamento e suporte.

Felipe Leite, doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento, explica que estes profissionais podem planejar programas de intervenção individualizados e voltados para demandas específicas da criança ou da família. “Estes programas devem trabalhar com modelos estruturados de ensino, focando ir do simples ao complexo em passos pequenos e graduais, sempre focando metodologias de ensino baseadas em reforçamento positivo, nunca usando estratégias aversivas”, explica.

Além disso, ele diz, os profissionais podem capacitar pais e outros familiares a interagir de modo mais construtivo com a criança: “O que tenho observado com minha experiência é que, quanto mais a família se engaja na atenção especializada dedicada ao filho, maiores são os avanços das intervenções realizadas”.

No Ceará, além das unidades de saúde pública que ofertam múltiplas especialidades, há profissionais aptos a trabalhar com alunos nos Núcleos de Apoio Pedagógico Especializado (Nape) e no Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado do Estado do Ceará (Creaece). As estruturas são mantidas pela Secretaria da Educação do Ceará (Seduc).

Para a neurologista infantil Carolina Figueiredo, os profissionais devem trabalhar no intuito de explorar o máximo possível das potencialidades da criança – estimulando o desenvolvimento sem pressionar e respeitando os limites de cada um. As crianças com deficiência, ela garante, não devem ser tratadas com excessivos cuidados e proteções, pois a precaução excessiva não é um bom aliado para nenhum indivíduo.

“Como médica, posso falar que a conversa sobre o diagnóstico deve ser o mais franca e aberta possível, porém delicada. Nosso trabalho não é apenas diagnosticar, mas orientar sobre o quadro e suas repercussões clínicas na criança, falar sobre nossa experiência com situações semelhantes, mostrar o apoio que aquela família precisa naquele momento. As deficiências não resumem a criança, fazem parte de um todo que ela é e, portanto, devem ser trabalhadas em conjunto para que se desenvolva um ser humano da melhor forma possível”, esclarece Carolina.

Profissionais que podem ser acionados:

– Terapeuta ocupacional
Utiliza tecnologias e atividades para promover a autonomia de pacientes com dificuldade de integração. Garante mais qualidade de vida para crianças por meio de tarefas de prevenção e reabilitação.

– Psicólogo
Estuda técnicas e teorias para ajudar pacientes a superar dificuldades e se desenvolverem em alguns aspectos. Pode atender não apenas as crianças e os adolescentes com deficiência, mas também as famílias por completo.

– Psicopedagogo
Identifica as dificuldades e ajuda a superar os transtornos que interferem no processo de aprendizagem. Faz uso de recursos da psicologia, da pedagogia e da antropologia.

– Fonoaudiólogo
É o profissional que trabalha com a reabilitação da voz, da audição, da motricidade oral e da leitura. Por meio de técnicas e exercícios, é capaz de tratar diversos problemas da fala.

Patrocínio