O tema da inclusão no ambiente escolar ganhou força nos últimos dez anos, com articulação que aconteceu nas esferas federais e estaduais. O que antes figurava apenas como reivindicação de pais e professores da rede de ensino, hoje, virou lei. Exemplo disso é o acesso de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/dotação em escolas de ensino regular. A legislação evoluiu, mas ainda precisa avançar. Essa é a visão do professor Idilvan Alencar, titular da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc). Em entrevista ao O POVO, ele defende que o tema seja tratado com responsabilidade e não, apenas, de maneira acessória. O secretário propõe a criação de um pacto envolvendo municípios, o Estado e outros entes para pensar e articular ações que ampliem o acesso e a evolução de jovens com deficiência nas escolas. Idilvan lembra que essa conjunção de forças já foi testada com o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), trazendo bons resultados. Para ele, é a vez de expandir essa articulação para outros temas, como a educação inclusiva.
O POVO – Hoje, qual é o cenário da educação inclusiva aqui no Ceará?
Idilvan Alencar – A Secretaria Estadual da Educação (Seduc) tem uma coordenadoria da diversidade, que tem educação indígenas, quilombolas e especial. Dentro das escolas da rede estadual, nós temos hoje salas de recursos multifuncionais, que são salas com equipamentos apropriados para pessoas com deficiência. A gente tem professores com formação e eles são inseridos na escolaridade comum.Além dessas salas, que estão presentes em 543 escolas em 171 municípios, nós temos, aqui em Fortaleza, o Núcleo de Apoio Pedagógico Especializado (Nape). Esse órgão consegue ter um atendimento ainda mais especializado, porque há psicólogo, assistente social, fonoaudiólogo, terapeuta, entre outros profissionais. Temos ainda o Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado (Creace) que dá um atendimento ainda mais especializado. Lá, você tem formação de professores e a produção de materiais.Mais esse desafio (da inclusão) é muito a questão do entorno. Nós temos a família, a escola e a sociedade em geral envolvidas. Quando nós tratamos desse tema, nós não estamos ajudando somente aquela pessoa com deficiência. Todos são beneficiados enquanto ser humanos e cidadãos.
O POVO – Nós tivemos alguns avanços na legislação, tanto no âmbito federal como no estadual. De que maneira essas leis ajudam a fazer uma escola mais inclusiva?
Idilvan – A força da norma é importante para o gestor público se pautar e assumir compromissos de prazo, inclusive. O gestor público não pode ser simplesmente sensível à questão. É mais do que isso. A legislação coloca responsabilidades. Às vezes esse tema é tratado de forma muito incipiente. E não é essa a tônica. O gestor tem responsabilidade.
O POVO – O que temos de legislação já contempla o tema ou ainda precisamos de mais avanços?
Idilvan – Existem marcos regulatórios importantes, mas a legislação ainda pode avançar, especialmente sendo mais incisiva no cumprimento de prazos, na expansão do processo e na responsabilização. É nesse âmbito que ela ainda pode avançar.
O POVO – O senhor citou algumas atividades do Estado para pessoas com deficiência. A rede estadual está preparada para a inclusão?
Idilvan – Acho que ela está preparada em certa medida, mas ainda precisamos avançar. Em relação à formação de professores, por exemplo, nem todas as áreas da universidade você sai sabendo lidar com um aluno que tem alguns transtornos. Nós já temos isso (formação de professores), mas acredito que ainda podemos avançar, tanto na rede estadual quanto na municipal.
O POVO – Como é a formação de professores hoje no Estado?
Idilvan – Nós temos um grupo de profissionais que preparam material e formalizam convênio com a rede municipal. Isso acontece com frequência, existe um calendário letivo o ano inteiro. Esse espaço (localizado no Creace) não é um ambiente distante da realidade. Lá, presta-se atendimento. A formação fica mais rica por isso. As questões teóricas, nesse caso, estão muito ligadas à prática.
O POVO – Mas o que ainda precisamos melhorar quanto à formação de professores?
Idilvan – Nós temos uma rede de 10 mil professores, mas a gente precisa ganhar escala. Em todas as redes municipais, nós não temos (a quantidade necessária de professores formados). O que a gente precisa ganhar é em qualidade. E é preciso avaliar todo o processo de formação.
O POVO – A maioria dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades está matriculada na escola pública. No Ceará, 95% deles estão na rede pública de ensino. Isso amplia a responsabilidade do Governo quanto à inclusão.
Idilvan – Isso. E mesmo os processos da rede municipal não podem ser desconsiderados pelo Estado. O fato de o aluno não estar matriculado em uma escola estadual não nos exime dessa responsabilidade. Nós precisamos apoiar os municípios. Em uma perspectiva futura, poderíamos fazer um grande pacto, como o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic). Acho que poderíamos fazer um pacto entre Estado, municípios e poder político constituído para poder, cada vez mais, prestar um atendimento com maior qualidade para esse público.
O POVO – É preciso haver coalizão entre esses atores? Quais são as outras alternativas da Secretaria para promover a inclusão nesses municípios?
Idilvan – Acho essa coalizão fundamental. Sem esse processo de cooperação, você não consegue avançar muito. A cooperação entre sociedade civil e poder político deve fazer parte. A Assembleia Legislativa ajudou muito no Paic, por exemplo, e podia estar num processo desse, assim como as câmaras municipais. Esse tema por mais que nós, do Poder Público, digamos que avançamos, ainda requer muito da gente. Ele nos convoca fortemente para uma ação mais forte.
O POVO – Por que essa cooperação ainda não aconteceu?
Idilvan – Ela acontece em determinado nível, mas precisa ganhar um formato mais sólido. O Estado trata de questões gerais e, quando o tema é específico, a gente às vezes não tem a mesma força. Eu me disponho a tratar essa questão. Falta um movimento mais coordenado, com metas mais claras, ações mais marcadas.
O POVO – Além do desafio da formação de professores, existe outro que é a da permanência desses alunos na escola. A maior parte não chega ao Ensino Médio. O que deve ser feito para que ele permaneça na escola?
Idilvan – Esse assunto merece ser pesquisado em profundidade, assim como a gente tem dados sobre a permanência e abandono no Ensino Médio regular. A gente precisa saber quantos alunos com deficiência ingressaram na escola e por quanto tempo eles permaneceram. Precisamos pesquisar isso por município e estudar as causas.
O POVO – Alguns especialistas criticam o atual modelo de escola, que tenta homogeneizar, limitar por uma média…
Idilvan – É a grande discussão. Se tenho um aluno com deficiência, eu vou ser inclusivo apenas por matriculá-lo na rede regular? Eu entendo que é mais amplo. Eu preciso matriculá-lo na rede regular, mas preciso dar condição para que ele tenha um desenvolvimento que siga determinados padrões.
O POVO – A falta de indicadores que apontem a inclusão também é uma questão levantada pelos especialistas. Como se pode pensar um fluxo de políticas públicas sobre o tema?
Idilvan – Se eu pudesse traçar um caminho, eu diria que começa com a pesquisa que produz indicadores de permanência, resultados e necessidades. A partir disso,a gente teria o que estou chamando de pacto, que olha para os indicadores e promove ações mais objetivas e direcionadas. Esse seria o percurso.
O POVO – Quando a escola é inclusiva, quais são os ganhos?
Idilvan – Todo mundo ganha com a convivência de um aluno que tem deficiência. O aluno passa a ter uma visão de cidadania, ele tem um processo humano mais rico. É nesse sentido que esse tema deve ser tratado.